ALTAS HABILIDADES E SUPERDOTAÇÃO:
CORRELAÇÃO COM TDAH E DUPLA-
EXCEPCIONALIDADE
HIGH ABILITIES AND GIFTEDNESS: CORRELATION WITH
ADHD AND DOUBLE EXCEPTIONALITY
Bruno Loser Hemerly
Universidade Federal de Juiz de Fora
Francis Moreira da Silveira
University International (UNILOGOS) Endereç o
Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues
Centro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH)
Departamento de Neurociências e Genômica - Portugal
Velibor Kostić
Centro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH)
Departamento de Neurociências e Genômica - Portugal

pág. 9058
DOI: https://doi.org/10.37811/cl_rcm.v9i1.16528
Altas Habilidades e superdotação: correlação com TDAH e dupla-
excepcionalidade
Bruno Loser Hemerly 1
Drbrunohemerly@gmail.com
Universidade Federal de Juiz de Fora
Francis Moreira da Silveira
Atendimento@unilogosedu.com
University International (UNILOGOS)
Endereço
Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues
Contato@cpah.com.br
Https://orcid.org/0000-0002-5487-5852
Centro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH)
Departamento de Neurociências e Genômica,
Brasil & Portugal
Velibor Kostić
Contato@cpah.com.br
https://orcid.org/0009-0009-0196-1288
Centro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH)
Departamento de Neurociências e Genômica
Brasil & Portugal
RESUMO
Nos últimos dez anos, observa-se um discreto aumento na quantidade de pesquisas sobre a interação
entre altas habilidades/superdotação e TDAH. Muitos desses estudos indicam que, para além de
possíveis diagnósticos equivocados, é crucial considerar a associação desses dois fenômenos, conhecida
como "dupla-excepcionalidade". Esta pesquisa, caracterizada como um estudo metodológico
qualitativo, surge da consideração dessa possibilidade de duplo diagnóstico, com o objetivo geral de
compreender as interações complexas entre superdotação e TDAH, reconhecendo a necessidade de
considerar a presença simultânea desses fenômenos. Diante disso, embora não se possa afirmar com
certeza que a dupla-excepcionalidade de superdotação e TDAH esteja ocorrendo, é recomendado
considerá-la em avaliações futuras.
Palavras-chave: altas habilidades, superdotação, dupla-excepcionalidade, TDAH
1 Autor principal
Correspondencia: Drbrunohemerly@gmail.com

pág. 9059
High Abilities and Giftedness: Correlation with ADHD and Double
Exceptionality
ABSTRACT
In the last ten years, there has been a slight increase in the amount of research on the interaction between
high abilities/giftedness and ADHD. Many of these studies indicate that, in addition to possible
misdiagnoses, it is crucial to consider the association of these two phenomena, known as "double
exceptionality". This research, characterized as a qualitative methodological study, arises from the
consideration of this possibility of dual diagnosis, with the general objective of understanding the
complex interactions between giftedness and ADHD, recognizing the need to consider the simultaneous
presence of these phenomena. Given this, although it cannot be said with certainty that the double
exceptionality of giftedness and ADHD is occurring, it is recommended to consider it in future
assessments.
Keywords: high skills, giftedness, double exceptionality, ADHD
Artículo recibido 05 diciembre 2024
Aceptado para publicación: 25 enero 2025

pág. 9060
INTRODUÇÃO
Sabe-se que a educação inclusiva adota um paradigma educacional fundamentado nos princípios dos
direitos humanos, integrando igualdade e diferença como valores inseparáveis. Além disso, esse modelo
avança além da noção de equidade formal, ao considerar as circunstâncias históricas que contribuíram
para a exclusão, tanto no ambiente escolar quanto na sociedade em geral.
Nesse contexto, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Especial, lançou em
2008 a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, uma iniciativa
alinhada com os progressos no campo do conhecimento e com as conquistas das lutas sociais, buscando
estabelecer políticas públicas que promovam uma educação de qualidade para todos os alunos.
O sucesso dessa Política foi tamanho, e com isso surgiram inúmeras possibilidades futuras de aplicação
da mesma, o que fez com que tempos mais tarde, em novembro do presente ano, o Governo Federal se
movimentasse para reforçar essa ideia, por meio do Plano de Afirmação e Fortalecimento da Política
Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI).
A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva tem como objetivo
assegurar a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com
participação, aprendizagem e continuidade nosníveis mais elevados do ensino; transversalidade da
modalidade de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do
atendimento educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional
especializado e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da família e da
comunidade; acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e
informação; e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas.
Nessa linha, a iniciativa do Plano de Afirmação e Fortalecimento, integra a estratégia de resgatar os
princípios fundamentais da Política acima, que, embora não tenha sido desfeita,enfrentou ameaças e foi
negligenciada nos últimos anos.
Essa Política caracteriza os estudantes com Altas Habilidades/Superdotação AH/SD como indivíduos
que “[...] demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladasou combinadas:
intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentamelevada criatividade,

pág. 9061
grande envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seuinteresse” (Brasil, 2008,
p. 15).
Renzulli (1986; 2005; 2011; 2014; 2018) destaca que os comportamentos associados às Altas
Habilidades/Superdotação devem ser analisados considerando os contextos culturais, e também
enfatizando a inexistência de uma abordagem ideal para mensurar a inteligência. Para o autor, é
imperativo evitar a prática comum de presumir o conhecimento acerca da inteligência de umapessoa
com base exclusiva em seu QI (Quociente de Inteligência).
Diante desse entendimento, atualmente, adota-se uma abordagem multidimensional da inteligência, que
reconhece a interação de fatores biológicos, interacionais e culturais, todos agindo de forma conjunta
para influenciar tanto o conceito quanto o desenvolvimento da inteligência (ALENCAR; FLEITH,
2001).
É importante ainda esclarecer que, muitas pessoas com Altas Habilidades e Superdotação constituem
um grupo singular com "dupla-excepcionalidade". Esse fenômeno refere-se à presença simultânea de
altas habilidades intelectuais somada a algum tipo de dificuldade ou transtorno, sendo comum observar
a interseção entre AH/SD e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Em outras
palavras, trata-se da presença simultânea de duas condições em uma pessoa: uma considerada
"talentosa" e a outra "deficitária", ou aquém da média esperada para a população emgeral.
Esta conexão, alvo do presente artigo, tem se tornado muito comum e desafia a compreensão de
especialistas, uma vez que os desafios impostos pelo TDAH podem obscurecer o diagnóstico das
habilidades excepcionais, além da limitação de conteúdo de estudos sobre o tema. Nessa linha,torna- se
crucial o levantamento de um debate sobre a inclusão dessas pessoas que convivem com simultaneidade
de Altas Habilidades/Superdotação e algum tipo de deficiência, transtorno ou síndrome.
Considerando, portanto, a breve explicação exposta sobre o assunto, o objetivo dessapesquisa é de
apresentar dados suficientes para o desenvolvimento de uma proposta de avaliação, que possa auxiliar
escolas na triagem dessas condições distintas (AHSD e TDAH), podendo assim ofertar serviços
educacionais adequados.

pág. 9062
METODOLOGIA
No contexto dinâmico da educação especial, a pesquisa visa compreender o paralelo entre as Altas
Habilidades e Superdotação com TDAH, que resulta na dupla-excepcionalidade.
A metodologia empregada neste trabalho trata-se de uma abordagem de caráter exploratório e descritivo,
desenvolvido pelo método qualitativo, através de pesquisa bibliográfica, que ressaltou artigos relevantes
sobre o tema, proporcionando diretamente uma compreensão mais clara do tema.
As pesquisas bibliográficas se baseiam em materiais ou estudos já previamente elaborados,
principalmente em livros e artigos científicos. Assim, nessa etapa da presente pesquisa, ocorreu a coleta
de dados relacionados educação especial de pessoas que possuem AHSD e TDAH, bem como a
identificação das necessidades pedagógicas desses indivíduos.
O levantamento bibliográfico foi conduzido por meio da pesquisa e leitura de temas parcial ou
totalmente alinhados com o problema de pesquisa. Além disso, foram elaborados fichamentos de texto,
compreendendo comentários e citações de autores, extraídos de livros, revistas, monografias, teses e
periódicos científicos.
A pesquisa bibliográfica, na perspectiva de Prodanov e Freitas (2013, p. 54), posiciona o pesquisador
em uma interação direta com toda a produção escrita relacionada à temática em estudo. Os mesmos
também acrescentam que “Na pesquisa bibliográfica, é importante que o pesquisador verifique a
veracidade dos dados obtidos, observando as possíveis incoerências ou contradições que as obras
possam apresentar”.
Gil (1999, p. 65) esclarece que a principal vantagem da revisão bibliográfica está associada à
possibilidade de permitir “[...] ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais
ampla do que aquela que poderia pesquisar diretamente”.
A abordagem qualitativa, por sua vez, apresenta contribuições essenciais na pesquisa, dada sua natureza
investigativa e descritiva, com foco nos processos e nos significados dosacontecimentos para os autores
envolvidos. Segundo Flick (2004), esse tipo de abordagem éamplamente reconhecida no contexto do
estudo das relações sociais, especialmente ao considerar a crescente pluralização da vida em sociedade
e as rápidas mudanças sociais dela decorrentes. No âmbito das ciências sociais, destaca-se a importância

pág. 9063
fundamental da análise pautada nos princípios da pesquisa bibliográfica, sendo particularmente
relevante quando aplicada ao campo educacional.
Na esfera educacional, a abordagem qualitativa, conforme as concepções de Minayo (2009,p. 21), é
empregada em pesquisas cujo objetivo central é esclarecer a lógica que permeia a práticasocial
efetivamente vivenciada na realidade. Isso ocorre porque, como destaca Minayo, "[...] o serhumano se
distingue não só por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir
da realidade vivida e partilhada com seus semelhantes". Em síntese, a pesquisa qualitativa proporciona
a compreensão de diversos aspectos da realidade, possibilitando a avaliação e assimilação da dinâmica
interna de processos e atividades.
Análise e interpretação de dados
No âmbito da produção científica brasileira, a dupla-excepcionalidade emerge como uma descoberta
recente no campo das Altas Habilidades/Superdotação, frequentemente não reconhecida por
profissionais que lidam com estudantes nessas condições (OUROFINO, 2007). Essa falta de
reconhecimento pode contribuir, entre outras consequências, para a escassez e dispersão daprodução
acadêmica sobre a temática no contexto da pesquisa no Brasil (PEREIRA; RANGNI, 2021).
Além da limitada produção acadêmica, observa-se uma invisibilidade da dupla-excepcionalidade em
algumas políticas públicas brasileiras de Educação Especial (EE), uma vez que não há menção explícita
a esse público em documentos fundamentais como as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação Básica (BRASIL, 2001), a Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 2008) e o
Decreto 7.611/2011 (BRASIL, 2011), que trata do atendimento educacional especializado aos
estudantes considerados público da EE.
Diante dessa problemática no campo da Educação Especial, especialmente no contexto das AHSD, e
considerando a necessidade de esclarecer o objeto de estudo deste artigo, este espaçoaborda a
constituição histórica da dupla-excepcionalidade, o significado e interpretação científica de dupla-
excepcionalidade, assim como as dificuldades para a identificação da dupla-excepcionalidade.

pág. 9064
Constituição histórica do termo Dupla-excepcionalidade
Nos estudos voltados para o entendimento da condição de AHSD, a dupla-excepcionalidade é,
basicamente, tratada como a existência simultânea de AHSD e alguma deficiência, ou transtorno, ou de
síndrome (BALDWING et al., 2015; PFEIFER, 2015; REIS, BAUM, BURKE, 2014).
Os estudos especificamente voltados à dupla-excepcionalidade nasceram a partir da união de dois
campos de investigação: a Educação Especial e a inclusão de pessoas com AHSD. Logo, desde a década
dos anos 80, pesquisas sobre o tema começaram a tomar forma sólida e construir dados capazes de
auxiliar, minimamente, os profissionais da educação a lidarem com essa condição emseus cotidianos de
trabalho (BALDWING et al., 2015).
Uma das principais pesquisas que impulsionou os estudos, foi a da educadora Leta Hollingworth, a qual
também se formou em psicologia, para se te tornar a pioneira no assunto em 1923, ao publicar o seu
trabalho “Special Talents and Defects: their significance for education”.Aqui, Leta tratou dos alunos
que se destacavam por seu potencial superior, mas ao mesmo tempo eram limitados por déficits em
diversas matérias escolares. Sua defesa pregava que todas asinstituições de ensino deveriam levar em
conta as diferenças intelectuais das crianças e adiversificação do currículo escolar para promover a
inclusão e aproveitamento de todos os talentos (BALDWING et al., 2015; BAUM; SCHADER; OWEN,
2017; KAUFMAN, 2018).
No ano de 1975, os pesquisadores Coleman, Harradine e King (2005), divulgaram que otermo dupla-
excepcionalidade foi criado por Gallanger. Na mesma linha, Prior (2013) ressalta,afirmando o
pioneirismo de utilização do termo, que, mesmo com estudos desde 1923 sobre o assunto, na década de
70, o mesmo passou a ser utilizado para identificar a condição dual desses indivíduos especiais.
Desde então, os debates desse assunto não pararam e surgiram importantes publicações que ampliaram
as definições de AHSD, transformando a dupla-excepcionalidade em um tema promissor para os estudos
de especialistas.
Embora o termo dupla-excepcionalidade não seja explicitamente utilizado, as Políticas Nacionais da
Educação Especial (BRASIL, 1994; 2020) e a Lei 14. 1915 (BRASIL, 2021) abordam a coexistência de
AHSD com alguma deficiência, reconhecendo, assim, a presença da dupla-excepcionalidade entre os
estudantes. Essas políticas destacam a necessidade de desenvolver propostas de atendimento voltadas

pág. 9065
para a inclusão escolar, solidificando a importância de considerar ambas as dimensões na abordagem
educacional.
Significado e interpretação científica de dupla-excepcionalidade e AHSD
Em uma análise recente, Ronksley-Pavia (2015) sustenta que a literatura sobre dupla
excepcionalidade destaca um desafio significativo vinculado à ausência de consenso nas definições da
palavra "dotação". Isso resulta, por conseguinte, na falta de um consenso claro em relação aotermo
dupla-excepcionalidade.
Outro aspecto, reside na vinculação deste termo para denotar a presença simultânea de Altas
Habilidades/Superdotação e deficiência, como se fosse um sinal de comorbidade no indivíduo
(PFEIFER, 2015). Pfeifer (2015) caracteriza a dupla-excepcionalidade como se o termo tivesse sido
importado da área médica, indicando a coexistência de duas ou mais condições associadas em um único
indivíduo. Conceber a dupla-excepcionalidade como uma comorbidade é, de fato, uma caracterização
inadequada, visto que as AHSD apontam para um potencial superior e não para uma deficiência ou
transtorno mental.
Além do mais, conceber a dupla-excepcionalidade como uma comorbidade pode perpetuar, no âmbito
da Educação Especial (EE), o paradigma médico da deficiência. Esse modelo centraliza a percepção
dessa condição como algo anormal no indivíduo, o que, por sua vez, justificaexperiências de segregação,
desemprego, baixa escolaridade e outras formas de opressão (DINIZ, 2007, p. 11).
De toda forma, essa análise sublinha a complexidade em torno da definição e compreensãoda dupla-
excepcionalidade, ressaltando a necessidade de claridade conceitual nesse campo de estudo.
Conforme a visão de Renzulli (2005; 2016; 2018), as Altas Habilidades/Superdotação(AHSD)
manifestam-se em determinadas pessoas, sob condições específicas, em momentosparticulares e em
contextos e áreas de estudo específicos. Para o autor, a categorização como superdotado não deve ser
encarada de maneira absoluta, nem como um conceito estático no indivíduo, no que se refere a ser ou
não ser superdotado. Nesse sentido, Renzulli propõe que o termo"superdotado" atue como um
qualificador do substantivo, como exemplificado em "comportamento superdotado", em vez de ser
empregado como um substantivo em si, como em "o superdotado".Dessa forma, como salienta Virgolim
(2014, p. 586) ao abordar essa concepção das AHSD, "[...] uma criança pode demonstrar seu

pág. 9066
conhecimento adquirido em um determinado momento de sua trajetória escolar – por exemplo, lendo
precocemente, [...] – e não evidenciar o mesmo interesse ou habilidades em fases posteriores".
Renzulli (2005; 2016) identifica duas categorias de AHSD: a) superdotação acadêmica ou escolar e b)
superdotação produtivo-criativa. Na perspectiva do autor, ambas essas formas são significativas,
mantêm interações entre si e requerem medidas apropriadas para o desenvolvimento de ambas as
categorias em programas voltados para estudantes com AHSD. Conforme destacado por Renzulli
(2005):
A superdotação acadêmica é o tipo mais facilmente medido por testes de QI ou outros testes de
capacidade coginitiva e, por essa razão, é o tipo mais frequentemente usado para selecionar estudantes
para os programas especiais. [...]. (RENZULLI, 2005, p. 253, tradução nossa).
A superdotação produtivo-criativa [...] descreve aqueles aspectos da atividade e do envolvimento
humanos, nos quais se incentiva o desenvolvimento de ideias, produtos, expressões artísticas originais
e áreas do conhecimento que são propositalmente concebidas para ter um impacto sobre um ou mais
público-alvo. [...] Em outras palavras, a superdotação criativo-produtiva promove o desenvolvimento
de capacidades para trabalhar em problemas e áreas de estudo que têm relevância pessoal para o
indivíduo e que podem ser escaladospara níveis desafiadores de atividade investigativa (RENZULLI,
2005, p. 255).
Dificuldades na identificação da dupla-excepcionalidade
A detecção de estudantes com dupla-excepcionalidade é uma questão delicada e representa um desafio
para os especialistas no campo da educação de pessoas com Altas Habilidades/Superdotação (AMEND,
2018). Diante desse cenário, Rizza e Morrison (2007) argumentam que uma identificação adequada
requer não apenas a compreensão das características específicas de cada excepcionalidade, mas também
a apreciação da sobreposição e da interaçãoentre ambas, ou seja, o reconhecimento das diversas nuances
presentes nessa condição complexa.
De acordo com as observações de Reis, Baum e Burke (2014), a presença simultânea de duas
excepcionalidades em um indivíduo não apenas influencia a manifestação dos comportamentos, mas
também gera impactos comportamentais nos estudantes de maneiras distintas. Esses efeitos se
desdobram em três formas específicas: a) uma intensificação acentuada de certos comportamentos;

pág. 9067
b) a inibição de outros; e c) o surgimento de comportamentos novos, que requerem especial atenção
durante o processo de identificação. Essa complexidade na expressão comportamental destaca a
necessidade de uma abordagem cuidadosa e sensível na avaliação e compreensão das nuances associadas
à dupla-excepcionalidade, visando uma identificação precisa e uma intervenção eficaz no contexto
educacional.
Adicionalmente, é crucial destacar que o processo de identificação torna-se ainda mais complexo devido
à possibilidade de as características de ambas as excepcionalidades se mascararem reciprocamente.
Além disso, há a consideração de que as Altas Habilidades/Superdotação podem ocultar a presença de
deficiências, transtornos ou síndromes, e vice-versa (BAUM; SHADER; OWEN, 2017; REIS; BAUM;
BURKE, 2014). Essa interação entre as características das excepcionalidades demanda uma abordagem
cuidadosa na avaliação para garantir uma identificação precisa e abrangente.
Uma outra ramificação decorrente dos desafios na identificação de estudantes com dupla-
excepcionalidade está relacionada à sub-representação desses alunos em programas destinados a
estudantes com Altas Habilidades/Superdotação (BARNARD-BRAK et al., 2015; TRAIL, 2011;
RIZZA; MORRISON, 2007). O enfoque predominante tem sido direcionado para intervenções
centradas em déficits e dificuldades, evidenciando uma compreensão limitada do potencial desses
estudantes. Abordagens fundamentadas no desenvolvimento do potencial elevado e nas áreas de
interesse têm demonstrado impactos positivos no progresso cognitivo, socioemocional e social de
estudantes de dupla-excepcionalidade (BAUM; SCHADER; HÉBERT, 2014; BAUM; SCHADER,
2018).
No processo de identificação de estudantes com dupla-excepcionalidade, Reis e McCoach (2002)
salientam que, devido à natureza altamente heterogênea desse grupo, torna-se praticamente impossível
descrever as características específicas das subpopulações de estudantes com AHSD. No entanto, em
vez de se concentrarem na descrição do perfil geralmente associado aos underachievers, as autoras
advogam por uma mudança de foco, destacando a importância de identificar os atributos positivos desses
alunos. Para isso, elas utilizaram como referência o estudo de Frasier e Passow (1994), que buscou
identificar atributos gerais e comuns (traços, aptidões e comportamentos) em subpopulações específicas
de estudantes com AHSD.

pág. 9068
Essas características podem se manifestar de maneira única em cada estudante e apresentar variações
conforme o contexto. Por isso, Reis e McCoach (2002) sugerem que os educadoresadotem uma
abordagem cuidadosa ao tentar identificar essas características em alunos com deficiências, transtornos
e síndromes, bem como naqueles provenientes de contextos socioeconomicamente vulneráveis ou de
grupos culturais e étnicos minoritários.
Sem dúvida, a identificação de estudantes com dupla-excepcionalidade não é uma tarefa simples.
Contudo, especialistas no tema têm destacado um ponto crucial no processo deidentificação que pode
ser extremamente útil: o sucesso na identificação não depende apenas deuma compreensão aprofundada
de cada excepcionalidade, das características associadas às Altas Habilidades/Superdotação e dos
sintomas de diferentes condições de deficiências, transtornos e síndromes. Essa identificação bem-
sucedida requer também a compreensão de como essas diversas facetas interagem, formando um perfil
singular por meio da interseção de características e comportamentos de ambas as excepcionalidades
(BALDWING; OMDAL; PERELES, 2015; REIS; BAUM; BURKE, 2014).
Por esse motivo, têm sido dedicados esforços específicos para encontrar abordagens de identificação
mais eficazes, especialmente quando surgem desafios de aprendizagem ou quando se observa que o
estudante não está alcançando seu potencial, conforme percebido por pais eprofessores. No entanto,
Neihart (2008) destaca que a eficácia das abordagens de identificação propostas, embora amplamente
divulgadas na literatura da área, ainda carece de evidências científicas baseadas em estudos
experimentais.
Além disso, a prática de identificar estudantes exclusivamente por meio deencaminhamentos para
avaliações clínicas externas à escola evidencia que a responsabilidade essencialmente pedagógica de
avaliar as condições de aprendizagem, tanto nas potencialidades quanto nas dificuldades, tem sido
predominantemente delegada a outros profissionais. Esse cenário,de certa
forma, desestimula a própria escola a empreender a avaliação de seus alunos, compreendendo seu estilo
de aprendizagem, interesses e necessidades educacionais. Isso, por sua vez, contribui para a
desvalorização do trabalho do professor, ratificando, em outras palavras, o processo de proletarização38
conforme delineado por Nóvoa (1992).

pág. 9069
É importante ressaltar que, no contexto brasileiro, as lacunas na formação dos professoresem relação às
AHSD (DE SOUZA; RANGNI, 2019; MAIA-PINTO; FLEITH, 2002; RAMALHOet al.,
2014; RECH; NEGRINI, 2019) resultam na falta de engajamento da escola em relação a indivíduos com
potencial superior, o que se traduz em um obstáculo significativo na identificação de estudantes com
AHSD e dupla-excepcionalidade. A ausência de esforços para identificar esses alunos contribui para a
instituição de práticas excludentes pela própria escola, uma vez que a identificação é oprimeiro passo
crucial no processo de inclusão escolar.
Assim sendo, é imperativo investir na capacitação dos professores no âmbito das Altas
Habilidades/Superdotação. Isso não apenas favorecerá a colaboração entre os profissionais da saúde e
os da educação regular e especial, mas também propiciará o desenvolvimento de estratégias de avaliação
pedagógica integradas à dinâmica escolar. Tais estratégias podem ser valiosas no planejamento
educacional de estudantes que apresentem indicadores de dupla-excepcionalidade. Além disso,
conforme destacado por Tentes e Fleith (2014), é crucial compreender que o reconhecimento do grupo
de estudantes com AHSD underachievers implica uma mudança paradigmática não apenas em relação
às características desses indivíduos com AHSD, mas também nos critérios utilizados no processo de
identificação de comportamentos superdotados.
CONCLUSÕES
Diante da análise e interpretação dos dados pesquisados, é evidente que a dupla-excepcionalidade
representa um fenômeno complexo e desafiador, especialmente no contexto das Altas
Habilidades/Superdotação no Brasil. A falta de reconhecimento por parte dos profissionaisque lidam
com estudantes nessas condições contribui para a escassez e dispersão da produçãoacadêmica sobre o
tema, refletindo-se até mesmo na ausência de menção explícita nas políticas públicas de Educação
Especial.
A constituição histórica do termo "dupla-excepcionalidade" revela a relevância crescentedesse campo
de estudo, que emergiu a partir da interseção entre a Educação Especial e a inclusão depessoas com
AHSD. Contudo, os desafios na definição e compreensão da dupla-excepcionalidadepersistem, com a
literatura destacando a falta de consenso na definição de "dotação" e a armadilhade considerar a dupla-
excepcionalidade como uma comorbidade. Essa perspectiva inadequada, ao associar AHSD

pág. 9070
a deficiências, transtornos ou síndromes, pode perpetuar modelos médicos de deficiência naEducação
Especial, gerando consequências prejudiciais, como segregação e opressão.
A dificuldade na identificação, somada à falta de engajamento da escola devido a lacunas na formação
de professores, reforça a necessidade urgente de investir na capacitação dos educadores. É preciso ter
em mente ainda, que a responsabilidade pedagógica de avaliar as condições de aprendizagem, tanto nas
potencialidades quanto nas dificuldades, deve ser compartilhada entre os profissionais da saúde e da
educação, integrando estratégias de avaliação pedagógica na dinâmica escolar.
Assim, superar os desafios na identificação da dupla-excepcionalidade requer não apenasuma
compreensão profunda de cada excepcionalidade, mas também a compreensão de como essasfacetas
interagem para formar um perfil único. Esse entendimento integral, é crucial para orientar intervenções
educacionais eficazes e promover a inclusão escolar desses estudantes, reconhecendo e potencializando
seus talentos únicos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMEND, E. R. Finding hidden potential: toward best practices in identifying gifted students with
disabilities. In: KAUFMAN, S. B. (Org.).
BAUM, S. M; SCHADER, R. M.; HÉBERT, T. P. Through a different lens: reflecting on strengths-
based, talent-focused approach for twice-exceptional learners. Gifted Child Quarterly, v. 58, n. 4,
p. 311-327, 2014. Disponível em:
https://scihub.tw/https://doi.org/10.1177/0016986214547632
BAUM, S.; SHADER, R. Using a positive lens: engaging twice exceptional learners. In: KAUFMAN,
S. B. (Org.). Twice exceptional: supporting and educating bright and creative students with learning
difficulties. USA: Oxford University Press, 2018, p. 48- 65.
BALDWING, L.; OMDAL, S. N.; PERELES, D. Beyond stereotypes: understanding, recognizing, and
working with twice-exceptional learners. TEACHING Exceptional Children, v. 47, p. 216-225,
2015. Disponível em; https://scihub.tw/https://doi.org/10.1177%2F0040059915569361
COLEMAN, M. R.; HARRADINE, C.; KING, E. W. Meeting the needs of students Who are twice
exceptional. Teaching Exceptional Children, v. 38, n. 1, 2005.Disponível em:
http://goo.gl/0OTmLv

pág. 9071
DE SOUZA, A. R.; RANGNI, R. A. Formação em Pedagogia para a atuação com alunos dotados e
talentosos. Perspectiva, Florianópolis, v. 37, n. 3, p. 958-972, set. 2019. ISSN 353 2175-795X.
Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/perspectiva/article/view/2175-
795X.2019.e54531.
DINIZ, D. O que é deficiência? São Paulo: Editora Brasiliense, 2007, 96p.
FLICK, U. Uma introdução à pesquisa qualitativa. Porto Alegre, RS: Bookman, 2004.
FRASIER, M. M.; PASSOW, A. H. Towards a new paradigm for identifying talent potential. 1994.
Monografia. Storrs: University of Connecticut: The National Research Center of Gifted
andTalented, Connecticut, 1994. Disponível em:
https://nrcgt.uconn.edu/wpcontent/uploads/sites/953/2015/04/rm94112.pdf
GIL, A. C. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. São Paulo, SP: Atlas, 1999.
MINAYO, M. C. S. (org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.
NEIHART, M. Identifying and providing services to twice exceptional children. In: PFEIFFER, S.
Handbook of giftedness in children: psycho-educational theory, research and best practices.
Florida State University, USA: Springer, 2008, p. 115-137.
NÓVOA, A. Os professores e sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992.
OUROFINO, V. T. A. T. Altas habilidades e hiperatividade: a dupla-excepcionalidade. In: FLEITH,
D.S.; ALENCAR, E.M.L.S. Desenvolvimento de talentos e altas habilidades: orientação a pais e
professores. Porto Alegre: Artmed, 2007, p. 51-66.
PEREIRA, J. D. S.; RANGNI, R. de A. Produções brasileiras sobre dupla-excepcionalidade: estado de
conhecimento de 2014 a 2020. Revista on line de Política e Gestão Educacional, Araraquara, v.25,
n. 2, p. 1084–1105, 2021. DOI: 10.22633/rpge.v25i2.15104. Disponível em:
https://periodicos.fclar.unesp.br/rpge/article/view/15104
APRIOR, S. Transition and students with twice excepcionality. Australian Journal of Special Education,
v. 37, n. 1, p. 19-27, 2013. Disponível em:
http.epubs.scu.edu.au/CGI/viewcontent.cgi?article=1131&context=c-cyp_pubs
PRODANOV, C. C.; FREITAS, E. C. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da
pesquisa e do trabalho acadêmico. Novo Hamburgo, RS: Feevale, 2013.

pág. 9072
REIS, S. M.; BAUM, S. M.; BURKE, E. An Operational Definition of Twice- ExceptionalLearners:
Implications and Applications. Gifted Child Quarterly, v. 58, n. 3, 2014, p. 217–
230.Disponívelem:http://journals.sagepub.com.ez31.periodicos.capes.gov.br/doi/pdf/10.1177/0016986
214534976
REIS, S. M.; MCCOACH, B. D. Underachievement in gifted and talented students with specialneeds.
Exceptionality, v. 10, n. 2, p. 113-125, 2002. Disponível em:
https://www.positivedisintegration.com/ReisMcCoach2002.pdf
RENZULLI, J. S. The three-ring conception of giftedness: a developmental model for creative
productivity. In: STERNBERG, R. J.; DAVIDSON, J. E. Conceptions of giftedness. 2. ed.
NewYork: Cambridge University Press, 2005, p. 246-279.
RENZULLI, J. S. A concepção de superdotação no modelo dos três anéis: um modelo de
desenvolvimento para a promoção da produtividade criativa. In: VIRGOLIM, A. M. R.;
KONKIEWITZ, E. C. (orgs.). Altas habilidades/superdotação, inteligência e criatividade: uma
visão multidisciplinar. Campinas, SP: Papirus, 2014, p. 219-264.
RENZULLI, J.S. The three-ring conception of giftedness: a developmental model for promoting
creative-productivity. In: REIS, S. M. (Org.). Reflections on gifted education: critical works by
Joseph S. Renzulli and colleagues. Waco, TX, US: Prufrock Press, 2016, p. 55-90. Disponível
em: https://www.researchgate.net/publication/237668711
RENZULLI, J. S.; REIS, S. M. The three-ring conception of giftedness: a developmental approach for
promoting creative productivity in young people. In: PFIEFFER, S. I.; SHAUNESSY-
DEDRICK, E.; FOLEY-NICPON, M. APA Handbook of giftedness and talent. American
Psychological Association, 2018, p. 185-199.
RIZZA, M. G.; MORRISON, W. F. Identifying Twice Exceptional students: a toolkit for success.
TEACHING Exceptional Children Plus, v. 3, n. 3, 2007. Disponível em:
https://files.eric.ed.gov/fulltext/EJ967126.pdf
RONKSLEY-PAVIA, M.A. Model of Twice-Exceptionality: Explaining and Defining the Apparent
Paradoxical Combination of Disability and Giftedness in Childhood. Journal for the Education
ofthe Gifted.v.38, n. 3, p. 318-340, 2015.Disponível em:
pág. 9073
http://journals.sagepub.com.ez31.periodicos.capes.gov.br/doi/10.1177/0162353215592499.
TENTES, V. T. A.; FLEITH, D. S. Características pessoais, familiares e escolares: estudo comparativo
entre superdotados e superdotados underachievers. Avaliação Psicológica, v. 13, n. 1,p. 77-85,
2014. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1677-
04712014000100010