ALTAS HABILIDADES E SUPERDOTAÇÃO:
CORRELA
ÇÃO COM TDAH E DUPLA-
EXCEPCIONALIDADE

HIGH ABILITIES AND GIFTEDNESS: CORRELATION WITH

ADHD AND DOUBLE EXCEPTIONALITY

Bruno Loser Hemerly

Universidade Federal de Juiz de Fora

Francis
Moreira da Silveira
University International (UNILOGOS) Endere
o
F
abiano de Abreu Agrela Rodrigues
C
entro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH)
Departamento de Neurociências e Genômica
- Portugal
Velibor Kostić

C
entro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH)
Departamento de Neurociências e Genômica
- Portugal
pág. 9058
DOI:
https://doi.org/10.37811/cl_rcm.v9i1.16528
Altas
Habilidades e superdotação: correlação com TDAH e dupla-
excepcionalidade

Bruno
Loser Hemerly 1
Drbrunohemerly
@gmail.com
Universidade
Federal de Juiz de Fora
Francis
Moreira da Silveira
Atendimento
@unilogosedu.com
University
International (UNILOGOS)
Endereço

F
abiano de Abreu Agrela Rodrigues
Contato
@cpah.com.br
Https
://orcid.org/0000-0002-5487-5852
C
entro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH)
Departamento
de Neurociências e Genômica,
Brasil
& Portugal
Velibor
Kostić
Contato
@cpah.com.br
https://orcid.org/0009
-0009-0196-1288
C
entro de Pesquisa e Análises Heráclito (CPAH)
Departamento
de Neurociências e Genômica
Brasil
& Portugal
RESUMO

Nos
últimos dez anos, observa-se um discreto aumento na quantidade de pesquisas sobre a interação
entre
altas habilidades/superdotação e TDAH. Muitos desses estudos indicam que, para além de
possíveis
diagnósticos equivocados, é crucial considerar a associação desses dois fenômenos, conhecida
como
"dupla-excepcionalidade". Esta pesquisa, caracterizada como um estudo metodológico
qualitativo,
surge da consideração dessa possibilidade de duplo diagnóstico, com o objetivo geral de
compreender
as interações complexas entre superdotação e TDAH, reconhecendo a necessidade de
considerar
a presença simultânea desses fenômenos. Diante disso, embora não se possa afirmar com
certeza
que a dupla-excepcionalidade de superdotação e TDAH esteja ocorrendo, é recomendado
considerá
-la em avaliações futuras.
Palavras
-chave: altas habilidades, superdotação, dupla-excepcionalidade, TDAH
1
Autor principal
Correspondencia:
Drbrunohemerly@gmail.com
pág. 9059
High
Abilities and Giftedness: Correlation with ADHD and Double
Exceptionality

ABSTRACT

In
the last ten years, there has been a slight increase in the amount of research on the interaction between
high
abilities/giftedness and ADHD. Many of these studies indicate that, in addition to possible
misdiagnoses,
it is crucial to consider the association of these two phenomena, known as "double
exceptionality".
This research, characterized as a qualitative methodological study, arises from the
consideration
of this possibility of dual diagnosis, with the general objective of understanding the
complex
interactions between giftedness and ADHD, recognizing the need to consider the simultaneous
presence
of these phenomena. Given this, although it cannot be said with certainty that the double
exceptionality
of giftedness and ADHD is occurring, it is recommended to consider it in future
assessments.

Keywords:
high skills, giftedness, double exceptionality, ADHD
Artículo
recibido 05 diciembre 2024
Aceptado
para publicación: 25 enero 2025
pág. 9060
INTRODU
ÇÃO
Sabe
-se que a educação inclusiva adota um paradigma educacional fundamentado nos princípios dos
direitos
humanos, integrando igualdade e diferença como valores inseparáveis. Além disso, esse modelo
avanç
a além da noção de equidade formal, ao considerar as circunstâncias históricas que contribuíram
para
a exclusão, tanto no ambiente escolar quanto na sociedade em geral.
Nesse
contexto, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria de Educação Especial, lançou em
2008
a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, uma iniciativa
alinhada
com os progressos no campo do conhecimento e com as conquistas das lutas sociais, buscando
estabelecer
políticas públicas que promovam uma educação de qualidade para todos os alunos.
O
sucesso dessa Política foi tamanho, e com isso surgiram inúmeras possibilidades futuras de aplicação
da
mesma, o que fez com que tempos mais tarde, em novembro do presente ano, o Governo Federal se
movimentasse
para reforçar essa ideia, por meio do Plano de Afirmação e Fortalecimento da Política
Nacional
de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (PNEEPEI).
A
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva tem como objetivo
assegurar
a inclusão escolar de alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação,
orientando os sistemas de ensino para garantir: acesso ao ensino regular, com
participaçã
o, aprendizagem e continuidade nosníveis mais elevados do ensino; transversalidade da
modalidade
de educação especial desde a educação infantil até a educação superior; oferta do
atendimento
educacional especializado; formação de professores para o atendimento educacional
especializado
e demais profissionais da educação para a inclusão; participação da família e da
comunidade;
acessibilidade arquitetônica, nos transportes, nos mobiliários, nas comunicações e
informação;
e articulação intersetorial na implementação das políticas públicas.
Nessa
linha, a iniciativa do Plano de Afirmação e Fortalecimento, integra a estratégia de resgatar os
princ
ípios fundamentais da Política acima, que, embora não tenha sido desfeita,enfrentou ameaças e foi
negligenciada
nos últimos anos.
Essa
Política caracteriza os estudantes com Altas Habilidades/Superdotação AH/SD como indivíduos
que
“[...] demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladasou combinadas:
intelectual, acad
êmica, liderança, psicomotricidade e artes. Também apresentamelevada criatividade,
pág. 9061
grande
envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seuinteresse” (Brasil, 2008,
p.
15).
Renzulli
(1986; 2005; 2011; 2014; 2018) destaca que os comportamentos associados às Altas
Habilidades/Superdotação
devem ser analisados considerando os contextos culturais, e também
enfatizando
a inexistência de uma abordagem ideal para mensurar a inteligência. Para o autor, é
imperativo
evitar a prática comum de presumir o conhecimento acerca da inteligência de umapessoa
com
base exclusiva em seu QI (Quociente de Inteligência).
Diante
desse entendimento, atualmente, adota-se uma abordagem multidimensional da inteligência, que
reconhece
a interação de fatores biológicos, interacionais e culturais, todos agindo de forma conjunta
para
influenciar tanto o conceito quanto o desenvolvimento da inteligência (ALENCAR; FLEITH,
2001).

É
importante ainda esclarecer que, muitas pessoas com Altas Habilidades e Superdotação constituem
um
grupo singular com "dupla-excepcionalidade". Esse fenômeno refere-se à presença simultânea de
altas
habilidades intelectuais somada a algum tipo de dificuldade ou transtorno, sendo comum observar
a
interseção entre AH/SD e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Em outras
palavras,
trata-se da presença simultânea de duas condições em uma pessoa: uma considerada
"talentosa"
e a outra "deficitária", ou aquém da média esperada para a população emgeral.
Esta
conexão, alvo do presente artigo, tem se tornado muito comum e desafia a compreensão de
especialistas,
uma vez que os desafios impostos pelo TDAH podem obscurecer o diagnóstico das
habilidades
excepcionais, além da limitação de conteúdo de estudos sobre o tema. Nessa linha,torna- se
crucial
o levantamento de um debate sobre a inclusão dessas pessoas que convivem com simultaneidade
de
Altas Habilidades/Superdotação e algum tipo de deficiência, transtorno ou ndrome.
Considerando,
portanto, a breve explicação exposta sobre o assunto, o objetivo dessapesquisa é de
apresentar
dados suficientes para o desenvolvimento de uma proposta de avaliação, que possa auxiliar
escolas
na triagem dessas condições distintas (AHSD e TDAH), podendo assim ofertar serviços
educacionais
adequados.
pág. 9062
METODOLOGIA

No
contexto dinâmico da educação especial, a pesquisa visa compreender o paralelo entre as Altas
Habilidades
e Superdotação com TDAH, que resulta na dupla-excepcionalidade.
A
metodologia empregada neste trabalho trata-se de uma abordagem de caráter exploratório e descritivo,
desenvolvido
pelo método qualitativo, através de pesquisa bibliográfica, que ressaltou artigos relevantes
sobre
o tema, proporcionando diretamente uma compreensão mais clara do tema.
As
pesquisas bibliográficas se baseiam em materiais ou estudos previamente elaborados,
principalmente
em livros e artigos científicos. Assim, nessa etapa da presente pesquisa, ocorreu a coleta
de
dados relacionados educação especial de pessoas que possuem AHSD e TDAH, bem como a
identificação
das necessidades pedagógicas desses indivíduos.
O
levantamento bibliográfico foi conduzido por meio da pesquisa e leitura de temas parcial ou
totalmente
alinhados com o problema de pesquisa. Além disso, foram elaborados fichamentos de texto,
compreendendo
comentários e citações de autores, extraídos de livros, revistas, monografias, teses e
perió
dicos científicos.
A pesquisa bibliogr
áfica, na perspectiva de Prodanov e Freitas (2013, p. 54), posiciona o pesquisador
em
uma interação direta com toda a produção escrita relacionada à temática em estudo. Os mesmos
também
acrescentam que Na pesquisa bibliográfica, é importante que o pesquisador verifique a
veracidade
dos dados obtidos, observando as possíveis incoerências ou contradições que as obras
possam
apresentar”.
Gil
(1999, p. 65) esclarece que a principal vantagem da revisão bibliográfica está associada à
possibilidade
de permitir “[...] ao investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais
ampla
do que aquela que poderia pesquisar diretamente”.
A
abordagem qualitativa, por sua vez, apresenta contribuições essenciais na pesquisa, dada sua natureza
investigativa
e descritiva, com foco nos processos e nos significados dosacontecimentos para os autores
envolvidos.
Segundo Flick (2004), esse tipo de abordagem éamplamente reconhecida no contexto do
estudo
das relações sociais, especialmente ao considerar a crescente pluralização da vida em sociedade
e
as rápidas mudanças sociais dela decorrentes. No âmbito das ciências sociais, destaca-se a importância
pág. 9063
fundamental
da análise pautada nos princípios da pesquisa bibliográfica, sendo particularmente
relevante
quando aplicada ao campo educacional.
Na
esfera educacional, a abordagem qualitativa, conforme as concepções de Minayo (2009,p. 21), é
empregada
em pesquisas cujo objetivo central é esclarecer a lógica que permeia a práticasocial
efetivamente
vivenciada na realidade. Isso ocorre porque, como destaca Minayo, "[...] o serhumano se
distingue
não por agir, mas por pensar sobre o que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir
da
realidade vivida e partilhada com seus semelhantes". Em síntese, a pesquisa qualitativa proporciona
a
compreensão de diversos aspectos da realidade, possibilitando a avaliação e assimilação da dinâmica
interna
de processos e atividades.
Análise
e interpretação de dados
No
âmbito da produção científica brasileira, a dupla-excepcionalidade emerge como uma descoberta
recente
no campo das Altas Habilidades/Superdotação, frequentemente não reconhecida por
profissionais
que lidam com estudantes nessas condições (OUROFINO, 2007). Essa falta de
reconhecimento
pode contribuir, entre outras consequências, para a escassez e dispersão daprodução
acadêmica
sobre a temática no contexto da pesquisa no Brasil (PEREIRA; RANGNI, 2021).
Além
da limitada produção acadêmica, observa-se uma invisibilidade da dupla-excepcionalidade em
algumas
políticas públicas brasileiras de Educação Especial (EE), uma vez que não há menção explícita
a
esse público em documentos fundamentais como as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na
Educação
sica (BRASIL, 2001), a Política Nacional de Educação Especial (BRASIL, 2008) e o
Decreto
7.611/2011 (BRASIL, 2011), que trata do atendimento educacional especializado aos
estudantes
considerados público da EE.
Diante
dessa problemática no campo da Educação Especial, especialmente no contexto das AHSD, e
considerando
a necessidade de esclarecer o objeto de estudo deste artigo, este espaçoaborda a
constituiçã
o histórica da dupla-excepcionalidade, o significado e interpretação científica de dupla-
excepcionalidade,
assim como as dificuldades para a identificação da dupla-excepcionalidade.
pág. 9064
Constituição
histórica do termo Dupla-excepcionalidade
Nos
estudos voltados para o entendimento da condição de AHSD, a dupla-excepcionalidade é,
basicamente,
tratada como a existência simultânea de AHSD e alguma deficiência, ou transtorno, ou de
ndrome (BALDWING et al., 2015; PFEIFER, 2015; REIS, BAUM, BURKE, 2014).
Os
estudos especificamente voltados à dupla-excepcionalidade nasceram a partir da união de dois
campos
de investigação: a Educação Especial e a inclusão de pessoas com AHSD. Logo, desde a década
dos
anos 80, pesquisas sobre o tema começaram a tomar forma sólida e construir dados capazes de
auxiliar,
minimamente, os profissionais da educação a lidarem com essa condição emseus cotidianos de
trabalho
(BALDWING et al., 2015).
Uma
das principais pesquisas que impulsionou os estudos, foi a da educadora Leta Hollingworth, a qual
também
se formou em psicologia, para se te tornar a pioneira no assunto em 1923, ao publicar o seu
trabalho
Special Talents and Defects: their significance for education”.Aqui, Leta tratou dos alunos
que
se destacavam por seu potencial superior, mas ao mesmo tempo eram limitados por ficits em
diversas
matérias escolares. Sua defesa pregava que todas asinstituições de ensino deveriam levar em
conta
as diferenças intelectuais das crianças e adiversificação do currículo escolar para promover a
inclusão
e aproveitamento de todos os talentos (BALDWING et al., 2015; BAUM; SCHADER; OWEN,
2017;
KAUFMAN, 2018).
No
ano de 1975, os pesquisadores Coleman, Harradine e King (2005), divulgaram que otermo dupla-
excepcionalidade
foi criado por Gallanger. Na mesma linha, Prior (2013) ressalta,afirmando o
pioneirismo
de utilização do termo, que, mesmo com estudos desde 1923 sobre o assunto, na década de
70,
o mesmo passou a ser utilizado para identificar a condição dual desses indivíduos especiais.
Desde ent
ão, os debates desse assunto não pararam e surgiram importantes publicações que ampliaram
as
definições de AHSD, transformando a dupla-excepcionalidade em um tema promissor para os estudos
de
especialistas.
Embora
o termo dupla-excepcionalidade não seja explicitamente utilizado, as Políticas Nacionais da
Educação
Especial (BRASIL, 1994; 2020) e a Lei 14. 1915 (BRASIL, 2021) abordam a coexistência de
AHSD
com alguma deficiência, reconhecendo, assim, a presença da dupla-excepcionalidade entre os
estudantes.
Essas políticas destacam a necessidade de desenvolver propostas de atendimento voltadas
pág. 9065
para
a inclusão escolar, solidificando a importância de considerar ambas as dimensões na abordagem
educacional.

Significado
e interpretação científica de dupla-excepcionalidade e AHSD
Em
uma análise recente, Ronksley-Pavia (2015) sustenta que a literatura sobre dupla
excepcionalidade
destaca um desafio significativo vinculado à ausência de consenso nas definições da
palavra
"dotação". Isso resulta, por conseguinte, na falta de um consenso claro em relação aotermo
dupla
-excepcionalidade.
Outro
aspecto, reside na vinculação deste termo para denotar a presença simultânea de Altas
Habilidades/Superdotação
e deficiência, como se fosse um sinal de comorbidade no indivíduo
(PFEIFER,
2015). Pfeifer (2015) caracteriza a dupla-excepcionalidade como se o termo tivesse sido
importado
da área médica, indicando a coexistência de duas ou mais condições associadas em um único
indiv
íduo. Conceber a dupla-excepcionalidade como uma comorbidade é, de fato, uma caracterização
inadequada,
visto que as AHSD apontam para um potencial superior e não para uma deficiência ou
transtorno
mental.
Além
do mais, conceber a dupla-excepcionalidade como uma comorbidade pode perpetuar, no âmbito
da
Educação Especial (EE), o paradigma dico da deficiência. Esse modelo centraliza a percepção
dessa
condição como algo anormal no indivíduo, o que, por sua vez, justificaexperiências de segregação,
desemprego,
baixa escolaridade e outras formas de opressão (DINIZ, 2007, p. 11).
De
toda forma, essa análise sublinha a complexidade em torno da definição e compreensãoda dupla-
excepcionalidade,
ressaltando a necessidade de claridade conceitual nesse campo de estudo.
Conforme
a visão de Renzulli (2005; 2016; 2018), as Altas Habilidades/Superdotação(AHSD)
manifestam
-se em determinadas pessoas, sob condições específicas, em momentosparticulares e em
contextos
e áreas de estudo específicos. Para o autor, a categorização como superdotado não deve ser
encarada
de maneira absoluta, nem como um conceito estático no indivíduo, no que se refere a ser ou
não
ser superdotado. Nesse sentido, Renzulli propõe que o termo"superdotado" atue como um
qualificador
do substantivo, como exemplificado em "comportamento superdotado", em vez de ser
empregado
como um substantivo em si, como em "o superdotado".Dessa forma, como salienta Virgolim
(2014,
p. 586) ao abordar essa concepção das AHSD, "[...] uma criança pode demonstrar seu
pág. 9066
conhecimento
adquirido em um determinado momento de sua trajetória escolar por exemplo, lendo
precocemente,
[...] e não evidenciar o mesmo interesse ou habilidades em fases posteriores".
Renzulli
(2005; 2016) identifica duas categorias de AHSD: a) superdotação acadêmica ou escolar e b)
superdotação
produtivo-criativa. Na perspectiva do autor, ambas essas formas são significativas,
mantê
m interações entre si e requerem medidas apropriadas para o desenvolvimento de ambas as
categorias
em programas voltados para estudantes com AHSD. Conforme destacado por Renzulli
(2005):

A
superdotação acadêmica é o tipo mais facilmente medido por testes de QI ou outros testes de
capacidade
coginitiva e, por essa razão, é o tipo mais frequentemente usado para selecionar estudantes
para
os programas especiais. [...]. (RENZULLI, 2005, p. 253, tradução nossa).
A superdota
ção produtivo-criativa [...] descreve aqueles aspectos da atividade e do envolvimento
humanos,
nos quais se incentiva o desenvolvimento de ideias, produtos, expressões artísticas originais
e
áreas do conhecimento que são propositalmente concebidas para ter um impacto sobre um ou mais
público
-alvo. [...] Em outras palavras, a superdotação criativo-produtiva promove o desenvolvimento
de
capacidades para trabalhar em problemas e áreas de estudo que têm relevância pessoal para o
indiv
íduo e que podem ser escaladospara níveis desafiadores de atividade investigativa (RENZULLI,
2005,
p. 255).
Dificuldades
na identificação da dupla-excepcionalidade
A
detecção de estudantes com dupla-excepcionalidade é uma questão delicada e representa um desafio
para
os especialistas no campo da educação de pessoas com Altas Habilidades/Superdotação (AMEND,
2018).
Diante desse cenário, Rizza e Morrison (2007) argumentam que uma identificação adequada
requer
não apenas a compreensão das características específicas de cada excepcionalidade, mas também
a
apreciação da sobreposição e da interaçãoentre ambas, ou seja, o reconhecimento das diversas nuances
presentes
nessa condição complexa.
De
acordo com as observações de Reis, Baum e Burke (2014), a presença simultânea de duas
excepcionalidades
em um indivíduo não apenas influencia a manifestação dos comportamentos, mas
também
gera impactos comportamentais nos estudantes de maneiras distintas. Esses efeitos se
desdobram
em três formas específicas: a) uma intensificação acentuada de certos comportamentos;
pág. 9067
b)
a inibição de outros; e c) o surgimento de comportamentos novos, que requerem especial atenção
durante
o processo de identificação. Essa complexidade na expressão comportamental destaca a
necessidade
de uma abordagem cuidadosa e sensível na avaliação e compreensão das nuances associadas
à
dupla-excepcionalidade, visando uma identificação precisa e uma intervenção eficaz no contexto
educacional.

Adicionalmente,
é crucial destacar que o processo de identificação torna-se ainda mais complexo devido
à
possibilidade de as características de ambas as excepcionalidades se mascararem reciprocamente.
Além
disso, a consideração de que as Altas Habilidades/Superdotação podem ocultar a presença de
deficiências,
transtornos ou síndromes, e vice-versa (BAUM; SHADER; OWEN, 2017; REIS; BAUM;
BURKE,
2014). Essa interação entre as características das excepcionalidades demanda uma abordagem
cuidadosa
na avaliação para garantir uma identificação precisa e abrangente.
Uma
outra ramificação decorrente dos desafios na identificação de estudantes com dupla-
excepcionalidade
está relacionada à sub-representação desses alunos em programas destinados a
estudantes
com Altas Habilidades/Superdotação (BARNARD-BRAK et al., 2015; TRAIL, 2011;
RIZZA;
MORRISON, 2007). O enfoque predominante tem sido direcionado para intervenções
centradas
em déficits e dificuldades, evidenciando uma compreensão limitada do potencial desses
estudantes.
Abordagens fundamentadas no desenvolvimento do potencial elevado e nas áreas de
interesse
têm demonstrado impactos positivos no progresso cognitivo, socioemocional e social de
estudantes
de dupla-excepcionalidade (BAUM; SCHADER; BERT, 2014; BAUM; SCHADER,
2018).

No
processo de identificação de estudantes com dupla-excepcionalidade, Reis e McCoach (2002)
salientam
que, devido à natureza altamente heterogênea desse grupo, torna-se praticamente impossível
descrever
as características específicas das subpopulações de estudantes com AHSD. No entanto, em
vez
de se concentrarem na descrição do perfil geralmente associado aos underachievers, as autoras
advogam
por uma mudança de foco, destacando a importância de identificar os atributos positivos desses
alunos.
Para isso, elas utilizaram como referência o estudo de Frasier e Passow (1994), que buscou
identificar
atributos gerais e comuns (traços, aptidões e comportamentos) em subpopulações específicas
de
estudantes com AHSD.
pág. 9068
Essas
características podem se manifestar de maneira única em cada estudante e apresentar variações
conforme
o contexto. Por isso, Reis e McCoach (2002) sugerem que os educadoresadotem uma
abordagem
cuidadosa ao tentar identificar essas características em alunos com deficiências, transtornos
e
síndromes, bem como naqueles provenientes de contextos socioeconomicamente vulneráveis ou de
grupos
culturais e étnicos minoritários.
Sem
dúvida, a identificação de estudantes com dupla-excepcionalidade não é uma tarefa simples.
Contudo,
especialistas no tema têm destacado um ponto crucial no processo deidentificação que pode
ser
extremamente útil: o sucesso na identificação não depende apenas deuma compreensão aprofundada
de
cada excepcionalidade, das características associadas às Altas Habilidades/Superdotação e dos
sintomas
de diferentes condições de deficiências, transtornos e síndromes. Essa identificação bem-
sucedida
requer também a compreensão de como essas diversas facetas interagem, formando um perfil
singular
por meio da interseção de características e comportamentos de ambas as excepcionalidades
(BALDWING;
OMDAL; PERELES, 2015; REIS; BAUM; BURKE, 2014).
Por
esse motivo, têm sido dedicados esforços específicos para encontrar abordagens de identificação
mais
eficazes, especialmente quando surgem desafios de aprendizagem ou quando se observa que o
estudante
não está alcançando seu potencial, conforme percebido por pais eprofessores. No entanto,
Neihart
(2008) destaca que a eficácia das abordagens de identificação propostas, embora amplamente
divulgadas
na literatura da área, ainda carece de evidências científicas baseadas em estudos
experimentais.

Além
disso, a prática de identificar estudantes exclusivamente por meio deencaminhamentos para
avaliaçõ
es clínicas externas à escola evidencia que a responsabilidade essencialmente pedagógica de
avaliar
as condições de aprendizagem, tanto nas potencialidades quanto nas dificuldades, tem sido
predominantemente
delegada a outros profissionais. Esse cenário,de certa
forma, desestimula a pr
ópria escola a empreender a avaliação de seus alunos, compreendendo seu estilo
de
aprendizagem, interesses e necessidades educacionais. Isso, por sua vez, contribui para a
desvalorização
do trabalho do professor, ratificando, em outras palavras, o processo de proletarização38
conforme delineado por N
óvoa (1992).
pág. 9069
É
importante ressaltar que, no contexto brasileiro, as lacunas na formação dos professoresem relação às
AHSD
(DE SOUZA; RANGNI, 2019; MAIA-PINTO; FLEITH, 2002; RAMALHOet al.,
2014;
RECH; NEGRINI, 2019) resultam na falta de engajamento da escola em relação a indivíduos com
potencial
superior, o que se traduz em um obstáculo significativo na identificação de estudantes com
AHSD
e dupla-excepcionalidade. A ausência de esforços para identificar esses alunos contribui para a
instituição
de práticas excludentes pela própria escola, uma vez que a identificação é oprimeiro passo
crucial
no processo de inclusão escolar.
Assim
sendo, é imperativo investir na capacitação dos professores no âmbito das Altas
Habilidades/Superdotaçã
o. Isso não apenas favorecerá a colaboração entre os profissionais da saúde e
os
da educação regular e especial, mas também propiciará o desenvolvimento de estratégias de avaliação
pedag
ógica integradas à dinâmica escolar. Tais estratégias podem ser valiosas no planejamento
educacional
de estudantes que apresentem indicadores de dupla-excepcionalidade. Além disso,
conforme
destacado por Tentes e Fleith (2014), é crucial compreender que o reconhecimento do grupo
de
estudantes com AHSD underachievers implica uma mudança paradigmática não apenas em relação
às
características desses indivíduos com AHSD, mas também nos critérios utilizados no processo de
identificação
de comportamentos superdotados.
CONCLUSÕES

Diante
da análise e interpretação dos dados pesquisados, é evidente que a dupla-excepcionalidade
representa
um fenômeno complexo e desafiador, especialmente no contexto das Altas
Habilidades/Superdotação
no Brasil. A falta de reconhecimento por parte dos profissionaisque lidam
com
estudantes nessas condições contribui para a escassez e dispersão da produçãoacadêmica sobre o
tema,
refletindo-se até mesmo na ausência de menção explícita nas políticas públicas de Educação
Especial.

A
constituição histórica do termo "dupla-excepcionalidade" revela a relevância crescentedesse campo
de
estudo, que emergiu a partir da interseção entre a Educação Especial e a inclusão depessoas com
AHSD.
Contudo, os desafios na definição e compreensão da dupla-excepcionalidadepersistem, com a
literatura
destacando a falta de consenso na definição de "dotação" e a armadilhade considerar a dupla-
excepcionalidade
como uma comorbidade. Essa perspectiva inadequada, ao associar AHSD
pág. 9070
a
deficiências, transtornos ou síndromes, pode perpetuar modelos médicos de deficiência naEducação
Especial,
gerando consequências prejudiciais, como segregação e opressão.
A
dificuldade na identificação, somada à falta de engajamento da escola devido a lacunas na formação
de
professores, reforça a necessidade urgente de investir na capacitação dos educadores. É preciso ter
em
mente ainda, que a responsabilidade pedagógica de avaliar as condições de aprendizagem, tanto nas
potencialidades
quanto nas dificuldades, deve ser compartilhada entre os profissionais da saúde e da
educação,
integrando estratégias de avaliação pedagógica na dinâmica escolar.
Assim,
superar os desafios na identificação da dupla-excepcionalidade requer não apenasuma
compreensão
profunda de cada excepcionalidade, mas também a compreensão de como essasfacetas
interagem
para formar um perfil único. Esse entendimento integral, é crucial para orientar intervenções
educacionais
eficazes e promover a inclusão escolar desses estudantes, reconhecendo e potencializando
seus
talentos únicos.
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