Relação da realidade virtual com o processo de memorização

 e aprendizagem - relationship of virtual reality with

 the memorization and learning process

 

 

Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues[1]

[email protected]

 

 

RESUMO

Com o avanço da ciência da computação já é possível a recriação de ambientes virtuais análogos a realidade que permitem a interação entre sistemas computacionais e os usuários. É o que chamamos de realidade virtual. Hoje em dia, dispositivos tecnológicos que permitem a imersão dos indivíduos em ambientes interativos e a simulação de situações reais já se encontram em diversos lugares e são usados por profissionais de diversas áreas para estudos históricos, geográficos, medicinais, psicológicos, comportamentais e cognitivos. O presente artigo tem como objetivo entender como a realidade virtual pode auxiliar na aprendizagem e nos processos cognitivos relacionados á memória.

 

Palavras-Chave: realidade virtual; memória; aprendizagem; cognição.

 

 

 

 

 

 

 

 

Relation of virtual reality with the memorization process

and learning - relationship of virtual reality with

the memorization and learning process

 

ABSTRACT

With the advance of computer science it is already possible to recreate virtual environments analogous to reality that allow interaction between computer systems and users. This is what we call virtual reality. Nowadays, technological devices that allow the immersion of individuals in interactive environments and the simulation of real situations are already found in several places and are used by professionals from different areas for historical, geographical, medicinal, psychological, behavioral, and cognitive studies. This article aims to understand how virtual reality can help learning and cognitive processes related to memory.

 

Keywords: virtual reality; memory; learning; cognition.

 

 

 

 

Artículo recibido:  02 enero 2022

Aceptado para publicación: 28 enero 2022

Correspondencia: [email protected]

Conflictos de Interés: Ninguna que declarar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

1 INTRODUÇÃO

A realidade virtual se refere à inter-relação entre um indivíduo e um sistema operacional de imersão que simula em tempo real interações com diferentes ambientes através de dispositivos tecnológicos sensoriais. Essa interação pode acontecer através de uma tela de computador, salas de projeção, óculos de realidade virtual (quest, rift, go), telas de projeção, simuladores entre outros. Para que sejam efetivos, os dispositivos de realidade virtual devem se dispuser de determinadas características fundamentais para que a imersão nessa nova “realidade” cumpra com o objetivo desejando por aqueles que os criaram: informações sensoriais (sons, imagens, toque); bom processamento gráfico; utilização de 3D (representações tridimensionais de dados); tempo de teste e treinamento para a utilização; atividades que necessitem de movimentação, força e raciocínio etc. (KIRNER e KIRNER, 2011).

Para Monteiro (2011), a realidade virtual proporciona intervenções físicas, cognitivas e psicológicas benéficas para a aquele que a utiliza, oferecendo uma gama de atividades multissensoriais através de diferentes dispositivos tecnológicos. Tais dispositivos possibilitam uma série de vantagens como, por exemplo: a ampliação do espaço-tempo para atividades de pesquisa, onde o usuário pode passear por diferentes lugares em diferentes períodos históricos de maneira virtual; incentivo a atividade física com jogos que auxiliam no desenvolvimento psicomotor e podem melhorar a qualidade de vida de pessoas que sofrem com algum tipo de deficiência complementando métodos convencionais de terapia; estímulo das funções cognitivas como a memória, concentração e atenção; utilização por pessoas em diferentes faixas etárias e em diferentes contextos como escolas, hospitais, empresas, domicílios entre outros.

Nos últimos anos, os dispositivos de realidade virtual têm se tornados grandes aliados para a área da educação. Aqueles que têm a oportunidade de trabalhar com essas tecnologias em salas de aula sejam em escolas ou universidades, observam como as aulas se tornam mais animadas e interativas quando essas tecnologias são utilizadas de maneira e na medida correta, acarretando maior motivação para aqueles que aprendem. Alunos se tornam mais animados em sala de aula se comparar com os períodos de uso dos métodos tradicionais de ensino. É importante que o professor saiba trabalhar com esses novos instrumentos, pois umas das desvantagens desse uso é a distração que pode ocorrer do aprendizado em si.

Ela permite que os estudantes de várias áreas sejam inseridos em situações consideradas de risco de maneira segura e tenham experiências que no mundo real são limitadas por diversos motivos. Além disso, ela permite o armazenamento de dados para pesquisa e observação, a monitoração de ações e reações, a tentativa e erro, a exposição a diversas variáveis, a interação com objetos e liberdade de decisão, melhorando as habilidades de observação, o controle emocional, as respostas em situações de estresse, e as habilidades visuais e espaciais (ALBUS et al, 2021).

2 REALIDADE VIRTUAL, MEMÓRIA E APRENDIZAGEM

A realidade virtual é um campo da ciência que utiliza a ciência da computação para a criação de ambientes interativos e de imersão com interfaces tridimensionais que procuram simular situações análogas a vida e acompanhar a inter-relação entre o homem e a tecnologia se tornando um instrumento importante para as pesquisas medicinais, psicológicas e neurológicas nos últimos anos. A possibilidade de levar um indivíduo a viver situações diversas em um ambiente controlado, tem cada vez mais permitindo o estudo do comportamento com situações similares a vida real em um ambiente seguro para aquele que participa, prevendo com maior precisão os resultados comportamentais e psicológicos.

A replicação de tarefas variadas nesses ambientes virtuais se torna mais rentável, além da possibilidade de acompanhamento psicológico e neurológico com o uso da neuroimagem.

Entretanto, é necessário compreender que não há uma resposta definitiva quanto a real eficácia desses ambientes virtuais e se eles realmente podem ser um substituto para situações reais, principalmente no processo de aprendizagem. Para a Smith (2019), para averiguar sobre a real efetividade dos ambientes virtuais para a aprendizagem, é necessário um longo estudo sobre os efeitos da utilização desses ambientes na memória episódica definida como as memórias de acontecimentos datados, facilmente acessados e conjurados pelos indivíduos. Outro desafio é a multidisciplinaridade, diferentes áreas que estudam os efeitos da realidade virtual, definem memória e aprendizagem de diferentes formas.

Um dos fatores para a efetividade dos usos de dispositivos de realidade virtual na memória é a imersão. A imersão é um termo commumente utilizado para definir “mergulho”, no contexto popular virou um termo guarda-chuva para atividades que exigem dos participantes total concentração, total envolvimento e que levam o indivíduo a reações sensoriais e cognitivas. É um termo já amplamente utilizados em jogos (JENNETT et al, 2008; CAIRNS e NORDIN, 2014) e no aprendizado de línguas estrangeiras (FORTUNE, 2012) em que ambos já possuem efeitos cognitivos comprovados. 

O grau de imersão em uma atividade define a sua influência no desempenho da memória. Estudos feitos por Harman e Johnson (2017) mostraram que a imersão, como ela é feita, o tipo de dispositivo tecnológico utilizado, os sentidos estimulados (audição, visão, tato) e a quantidade de tempo em que o usuário está inserido são fatores significativos para a aquisição de informação. Nesses estudos foi possível perceber que usuários que estavam inseridos em um ambiente virtual com uma interface mais interativa demonstraram maior capacidade para adquirir e armazenar informações. Porém, devido aos fatores anteriormente citados, a confirmação não é definitiva, sendo necessários maiores testes. Muitas questões ainda devem ser exploradas.

De acordo com Schöne e Gruber (2019), o desafio é entender as diferenças entre as memórias de laboratório, vindas de um ambiente controlado, e as memórias adquiridas na vida real ou autobiográficas. Durante pesquisas com dois grupos, o primeiro inserido em um ambiente virtual tridimensional e o segundo exposto a um vídeo bidimensional, foi observado que o primeiro apresentou maior sucesso na recuperação de informações 48 horas depois, o que mostra que a inserção dos indivíduos em ambientes virtuais permite que o cérebro armazene aquela informação e a “transforme” com uma série de redes de associação em um evento análogo ao real, se tornando uma memória autobiográfica.

Em estudos feitos por Smith (2019), ele apresentou dados que mostram que a realidade virtual possui dois fatores que podem beneficiar a memória: fidelidade visual e informação sensorial. A fidelidade visual de um dispositivo de realidade virtual se refere ao quão capaz ele é de reproduzir informações visuais similares ao mundo real. Essa reprodução é fundamental para a imersão do usuário e é uma variável importante a ser observada quanto ao estudo da relação entre ambientes virtuais e memória. A maioria desses ambientes possui algum tipo de visualização que apresentam cores, formas geométricas, luzes, sombras, texturas e outros elementos visuais que a ajudam o usuário a captar melhor as informações apresentadas.

A informação sensorial se refere a outros sentidos, além da visão, que são estimulados durante a imersão no ambiente virtual. A audição, por exemplo, é um dos sentidos mais importantes a serem estimulados durante a imersão. A inclusão de sons naturais como chuva, vento, oceano, floresta em testes com ambientes virtuais fizeram a diferença durante a avaliação da memória após a imersão. Outras sugestões como as tácteis e as olfativas foram adicionadas, mas não obtiveram dados conclusivos quanto a real influencia sob a memória, se tratando, principalmente, da capacidade de buscar informações no cérebro horas e até dias após a imersão.

A experiência e a capacidade de entender conceitos abstratos são fatores valorizados na educação, principalmente em uma perspectiva mais construtivista que afirma que uma das bases para a construção do conhecimento está na interação sensorial entre o indivíduo e o mundo. A experiência permite a melhor assimilação da realidade e a formação de modelos mentais e construção de conceitos abstratos fundamentais para a aprendizagem. Com a realidade virtual é permitido ao indivíduo aliar a sua imaginação e as descrições metafóricas e subjetivos dos conceitos com a interação virtual sensorial com o objeto estudado reduzindo ambiguidades e confusões (CHRISTOU, 2010).

A realidade virtual também se mostra eficaz no diagnóstico e tratamento de deficiências relacionadas à memória. Não saber onde está, onde se encontra um objetivo previamente alocado ou se localizar em algum espaço geográfico são sinais sutis, mas importantes do surgimento de sintomas da demência como, por exemplo, o Alzheimer. Tal distúrbio é responsável por uma vida de riscos diários, estresse, ansiedade, confusões mentais e falta de independência. Jonson et al (2021) mostram que é possível, com estudos e testes adequados, utilizar ambientes virtuais para o diagnóstico e reabilitação de indivíduos com algum tipo de dificuldade cognitiva para se lembrar das coisas ao permitir a construção virtual de lugares parecidos com a vida real e sua exploração.

Aos que sofrem com algum distúrbio relacionado à inteligência espacial, são apresentadas sessões com tarefas simples em ambientes virtuais, observando frequência, intensidade e tempo em que as tarefas são feitas e cumpridas com variado sucesso. As tarefas nas quais os usuários são expostos possuem, na maioria dos casos, um fator maior de aprendizagem do que de reabilitação. Por exemplo, quando são apresentados novos percursos ligeiramente alterados, os usuários que antes realizavam tarefas de maneira mais rápida e efetiva, se tornam lentos novamente e precisam aprender o percurso novamente e começar do zero. O desafio para os estudiosos é como fazer com que esse aprendizado se torne efetivo quando apresentado um novo percurso ou tarefa que permita com os usuários possam assimilá-los de maneira constante, mostrando assim sinais claros de reabilitação e não apenas educativos. 

A tecnologia da realidade virtual é recente assim como seu uso em diversas áreas. Muitas questões necessitam de maior estudo, principalmente das áreas da psicologia e neurologia, para serem completamente confirmadas ou descartadas. Estudo sobre a aplicabilidade dessa recente tecnologia em estudos sobre a cognição, mais especificamente sobre a memória, em adultos ainda são, infelizmente, escassos o que se torna um grande desafio para neurologistas e neuropsicólogos.

Também é importante ressaltar que ainda há um uso desproporcional da tecnologia entre as gerações. Os jovens, mais acostumados com tecnologia no seu dia a dia, possuem um conhecimento já intuitivo em relação aos dispositivos tecnológicos e são capazes de lidar com sistemas mais complexos que exigem maior perspicácia, algo que para adultos mais velhos é necessário um tempo maior de assimilação.

Entretanto, a depender do dispositivo utilizado e sua qualidade de imersão, adultos, entre eles os que sofrem com a perda da memória episódica com a idade, se tornam igualmente capacitados e motivados para cumprir tarefas em ambientes virtuais, pois provocam o envolvimento, melhoram o desempenho nas atividades mostrando que há viabilidade no uso desses dispositivos para o estudo, diagnóstico e reabilitação de distúrbios cognitivos relacionados à memória (CORRIVEAU LECAVALIER et al, 2020).

Para a medicina, a realidade virtual se tornou uma grande aliada no estudo, tratamento e simulação de ocorrências médicas de menor ou maior complexidade. Ela apresenta para médicos, professores e alunos um ambiente rentável e controlado para a formação, treino e troca de informações e experiências entre os usuários em uma maior escala (POTTLE, 2019).

O impacto do uso da realidade virtual no campo da medicina foi observado durante o período de pandemia da provocado pela COVID-19. De acordo com Singh et al (2020), a realidade virtual auxiliou profissionais da saúde durante tele atendimentos, tratamentos, planejamento e controle, reduzindo o contato face a face. Segundo os estudiosos, a inserção da realidade virtual na medicina durante o período de crise sanitária permitiu um melhor treinamento dos profissionais da saúde apresentado situações intricadas similares da vida real, um aumento da consciência dos pacientes em relação a própria saúde oferecendo informações imprescindíveis sobre contagia e infecção e um maior apoio e tratamento psicológico durante o período de isolamento.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A realidade virtual se refere à imersão e interação das pessoas com ambientes virtuais tridimensionais criados por computadores e que apresentam elementos visuais, sonoros, olfativos, tácteis e auditivos análogos a realidade. Com o desenvolvimento da tecnologia nas ultimas décadas, esses dispositivos tecnológicos se encontram cada vez mais acessíveis para a população em geral podendo ser encontrados em diversos ambientes como escolas, hospitais, laboratórios, museus e são amplamente utilizados em vários campos científicos como a medicina, arqueologia, história, geografia, astronomia psicologia, neurologia entre outros. De acordo com muitos estudos, resultados de testes feitos em ambientes virtuais já apresentam dados significativos sobre o impacto da realidade virtual na aprendizagem escolar e universitária, treinamento de profissionais cujas profissões exigem habilidades técnicas de grande complexidade e no diagnóstico, tratamento e reabilitação de indivíduos que sofrem com doenças cognitivas e neurodegenerativas, como o Alzheimer e Parkinson, melhorando através de diversas atividades em ambientes virtuais a memória, a concentração e as habilidades psicomotoras e espaciais. 

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

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Singh, R. P., Javaid, M., Kataria, R., Tyagi, M., Haleem, A., & Suman, R. (2020). Significant applications of virtual reality for COVID-19 pandemic. Diabetes & Metabolic Syndrome: Clinical Research & Reviews14(4), 661-664. https://doi.org/10.1016/j.dsx.2020.05.011

Smith, S.A. Virtual reality in episodic memory research: A review. Psychon Bull Rev 26, 1213–1237 (2019). https://doi.org/10.3758/s13423-019-01605-w

 



[1]PhD, neurocientista, mestre psicanalista, biólogo, historiador, antropólogo, com formações também em neuropsicologia, neurolinguística, neuroplasticidade, inteligência artificial, neurociência aplicada à aprendizagem, filosofia, jornalismo e formação profissional em nutrição clínica - Diretor do Centro de Pesquisas e Análises Heráclito; Chefe do Departamento de Ciências e Tecnologia da Logos University International, UniLogos.