Educação, religião e cultura: Algumas considerações
antropológicas sobre os fundamentos religiosos e suas interferências no
processo educativo formal
Luciano Tadeu Corrêa Medeiros
Bianca Marinho de Souza
Ariana Souza Carneiro
Elianay Wilkerson da Silva Pereira
Joaquina Ianca dos Santos Miranda
Luana Patrícia Paixão Maciel
Pricila Silva Rodrigues
Universidade
Federal do Pará – UFPA, Brasil.
RESUMO
O artigo trata da Educação
e Religião como elementos culturais presentes nas diversas sociedades. O
objetivo é desenvolver um estudo reflexivo sobre a relação existente entre
esses dois elementos culturais e como os mesmos interferem na formação
individual e coletiva dos sujeitos nas comunidades socialmente organizadas. O
trabalho foi desenvolvido a partir de uma abordagem qualitativa, que contou com
uma pesquisa de revisão bibliográfica de autores que tratam de temas
educacionais, antropológicos e sociológicos. Os resultados sugerem que, nas
estruturas sociais das comunidades humanas, deve-se exercer a aplicação de uma
educação de forma distinta, onde a religião não cause interferência, o que já
acontece nas sociedades onde o Estado é laico. Porém, é perceptível que mesmo
diante da condição de laicidade, a sociedade encontra-se impregnada de
orientação de caráter religioso, mostrando que a religião deve ser entendida
como um fator cultural de forte influência, não apenas na aquisição de
costumes, hábitos e nas ações desenvolvidas pelo grupo social onde a mesma
acontece, mas, além disso, como determinante nos processos educativos formais
que também são potenciais influenciadores na afirmação da cultura dessas
sociedades.
Palavras-chave: Religião, Cultura e Educação;
Processos Educativos; Grupos Sociais.
Education, religion, and culture: Some anthropological
considerations on religious fundamentals and their interferences in the formal
educational process
ABSTRACT
The article deals with
Education and Religion as cultural elements present in different societies. The
objective is to develop a reflective study on the relationship between these
two cultural elements and how they interfere in the individual and collective
formation of subjects in socially organized communities. The work was developed
from a qualitative approach, which included a bibliographic review of authors
who deal with educational, anthropological, and sociological themes. The
results suggest that, in the social structures of human communities, one must
exercise the application of education in a different way, where religion does
not cause interference, which already happens in societies where the state is
secular. However, it is noticeable that even in the face of the secular
condition, society is impregnated with a religious orientation, showing that
religion must be understood as a cultural factor of strong influence, not only
in the acquisition of customs, habits, and actions developed by the social
group where it happens but, besides, as determinant informal educational
processes that are also potential influencers in affirming the culture of these
societies.
Keywords: Religion, Culture and Education; Educational Processes; Social Groups.
Artículo recibido: 03 nov. 2020
Aceptado para publicación: 07 dic. 2020
Correspondencia [email protected]
Conflictos de Interés: Ninguna que declarar
A religião e a Educação são fatores culturais que
estão presente nas relações de qualquer comunidade humana socialmente
organizada. Exercem uma potencial influência na construção dos hábitos sociais
dessas comunidades e produz uma interferência direta na formação dos sujeitos (Brandão,
1989) membros desses grupos – seja de forma individual, ou coletiva – e isso
tem relação direta com as ações que passam a ser exercidas por esses sujeitos
ou grupos sociais (Boas, 2010). Para compreendermos determinados processos nas
ações e comportamentos desses grupos sociais humanos, torna-se necessário
fazermos uma reflexão sobre os mesmos a partir de diversos olhares, através de
análises por variados segmentos da ciência que têm por objetivo desvelar as
causas e consequências dessas ações humanas (Mrtins, & Morais, 2005).
Algumas dessas ciências, em especial as da humanidade
– como por exemplo: a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia –, podem ajudar
no entendimento geral dessas relações de aquisição e manifestação de
comportamentos, pois, através delas, os objetos envolvidos nas relações de
construção social humana podem ser explicados à luz de seus olhares
investigativos (Mrtins, & Morais, 2005). Isso dinamiza a compreensão do
meio social, da influência do sistema sociopolítico e de fatores que envolvem
significados simbólicos dentro das relações existentes nas sociedades humanas (Brandão,
1989; Porto, 2011), visto que tais relações estão interligadas dentro do
contexto social e político de toda e qualquer sociedade (Brandão, 1989),
portanto, deve-se considerar que as comunidades sociais organizadas, para se
estabelecerem, contam com a concretização da existência de seus símbolos
identitários, que são constituídos. dentre outros fatores, com a expressão das
linguagens – onde destaca-se a língua local e seus signos como principal elemento
de afirmação –, pois essas traduzem o significado da cultura, das identidades e
de todos os elementos que a compõe (Boas, 2010; Porto, 2011).
Nesse sentido,
quando buscamos entender os hábitos, os costumes, as ações humanas e as
relações que as mesmas produzem, uma das ciências que torna possível essa
compreensão é a Antropologia, que nos traduz essas observações através de um
elemento chamado Cultura (Boas, 2010). Segundo Malinowski (2015), em uma
sociedade, a cultura define-se como uma unidade bem organizada, que se divide
em dois aspectos considerados por ele como fundamentais e que o mesmo
identifica como sendo: o primeiro um corpo de artefatos e o segundo um sistema
de costumes (Malinowski, 2015). Considera-se, portanto, a Cultura, como um dos
elementos determinantes para a composição dos aspectos fundamentais
relacionados aos comportamentos e ações encontrados nas relações humanas dentro
de um determinado grupo social (Porto, 2011), pois a cultura organiza todas as
manifestações de costumes em uma comunidade, visto que todo indivíduo tem suas
ações afetadas pelos hábitos do grupo do qual ele faz parte, tornando-se,
assim, um produto desse meio (Brandão, 1989), onde seus comportamentos e
atividades humanas são determinados por esses hábitos que foram socialmente
adquiridos (Boas, 2010; Porto, 2011). Contudo, dentro do espectro social,
alguns elementos culturais são categoricamente os determinantes para
influenciar a absorção de hábitos e costumes (Mrtins, & Morais, 2005),
assim como nas aquisições dos artefatos e símbolos – que organizam as
composições dos grupos sociais e comunidades – para a construção de sua cultura
(Brandão, 1989). Esses elementos encontram-se incorporados e, por assim se
encontrarem, os mesmos estão naturalizados no contexto social dos sujeitos (Porto,
2011).
A Educação é um elemento que podemos citar como um dos
que apresentam maior expressão entre os que se encontram notavelmente
incorporados nas relações sociais humanas e diretamente ligados à formação dos
sujeitos (Brandão, 1989; Mrtins, & Morais, 2005), que tem por consequência
as ações que são manifestadas por esses. Por isso, a Educação, fenômeno
estudado pela pedagogia – que é constituída como ciências da educação –,
contribui de forma bastante significativa no entendimento necessário das
relações que envolvem a própria educação formal com outros elementos culturais
(Brandão, 1989), que também se encontram envoltos nas relações sociais
existentes e que tornam-se fundamentais para que o comportamento social possa ser
não apenas proposto, mas estabelecido nas comunidades ou grupos sociais
organizados (Mrtins, & Morais, 2005). A pedagogia possibilita, muitas vezes
através dos estudos do fenômeno Educação e suas relações com a formação dos
sujeitos (Brandão, 1989), compreender como esses se compõem e como os mesmos
são capazes de construir e conduzir as relações que os envolvem em seu meio (Porto,
2011).
A religião também é um elemento cultural de grande
expressão nos meios sociais. Ela está ligada a crenças coletivas e fundamentos
dogmáticos, que podemos considerar como fatores espirituais que se encontram
dentro de uma esfera de profunda abstração nas relações idearias entre
indivíduos e suas crenças dentro de cada cultura (Boas, 2010). Isso não
significa dizer que a religião, por ser um elemento da cultura, manifesta-se em
uma composição única em um meio cultural, pois em uma única sociedade ela pode
ser plural (Porto, 2011), passando a existir a partir de propostas variadas de
crenças e grupos que se identifique com cada uma delas, dentro de em um mesmo
contexto social, o que também não significa dizer que cada uma das religiões
propostas não tenha também a sua peculiaridade cultural, ou seja, mesmo dentro
de uma única cultura, podemos encontrar variadas manifestações culturais
religiosas, o que não interfere no contexto geral do meio cultural onde isso
acontece (Malinowski, 2015).
Este trabalho traz uma discussão acerca das relações
que envolvem Educação, Cultura e Religião, e, na busca de compreendermos como
se estabelecem essas relações no meio social, torna-se conveniente fazermos o
seguinte questionamento: como se desenvolvem as relações entre Educação,
Cultura e Religião em uma comunidade socialmente organizada?
2. CAMINHOS METODOLÓGICOS
Destacamos a pesquisa de
revisão bibliográfica como importante instrumento na composição de trabalhos
dessa natureza, que trazem discussões acerca de temas sociais, antropológicos e
educacionais, pois, através da compilação de pressupostos de teóricos de autores
que trabalham os mais variados temas, é possível a construção e apropriação de
novas respostas para assuntos já há muito discutido, como também a fomentação
de análises sobre questões emergentes na realidade educacional.
3. Resultados E DISCUSSÕES
A
educação escolar como modelo formal de ensino tem, nos conhecimentos
científicos, o principal dos saberes a serem ensinados nesse modelo educativo (Brandão,
1989). Porém, como o fenômeno Educação pode ser estudado a partir do olhar de
várias ciências, compreende-se o ato de ensinar como algo que requer o
conhecimento sistemático dessas ciências, a fim de que a condução do processo
educativo considere todos os fatores que podem estar tanto implícitos, como
explícitos, mas que têm papel determinante no resultado apresentado na relação
de ensino e aprendizagem (Brandão, 1989).
Nesse sentido, pode-se compreender que nessa relação
existem variados fatores, tanto internos, como também externos, que envolvem os
sujeitos no processo educativo escolar, dentre os quais podemos destacar os
fatores socioculturais. Para Franz Boas (2004), é necessário considerar que a
Educação é um fenômeno que acontece dentro do próprio contexto cultural onde
ela é proposta e fundamenta-se por elementos próprios da cultura. O autor ainda
nos alertou que a Educação formal está carregada de determinações que a
condicionam a um formato onde não há liberdades para o exercício da
aprendizagem (Boas, 2004).
O
fator cultural também se torna um elemento considerável nessa relação, pois
encontra-se incorporado nos sujeitos das mais diversas formas e, ainda que na
maioria das vezes os sujeitos façam parte de um mesmo meio, a dinâmica cultural
não torna os grupos homogêneos (Boas, 2010; Porto, 2011), ao contrário, ela
produz as diversidades e acolhe as diferenças em um mesmo grupo, sendo que essa
diversidade cultural compreende que os sujeitos podem ser tanto ímpares, como
múltiplos ao mesmo tempo e todos podem fazer parte de um mesmo grupo social (Porto,
2011). Por isso, podemos entender que a educação não só legítima a identidade
cultural, como também permite a apropriação e disseminação dos elementos que
são parte legítima dessa cultura, mesmo que Educação formal imponha limites na
liberdade que essa Educação deva exercer
(Boas, 2004).
Isso não se torna complexo, pois, quando se
compreende a cultura, elenca-se e considera-se esses elementos no momento de
pôr em prática as ações educativas que muitas vezes a escola busca trabalhar (Porto,
2011) – em seus currículos por hora determinados (Boas, 2004) – de forma
transversal, mas independente de se trabalhar o conhecimento sobre as questões
que envolvem a própria cultura, as práticas educativas devem levar em conta a bagagem cultural que identifica a
liberdade de aprendizagem de cada um desses alunos traz em si (Brandão, 1989),
pois ela é a responsável muitas vezes pela preservação da história de grupos
humanos singulares (Porto, 2011), pois, se apresentam carregadas de costumes
peculiares a esses grupos. Portanto, torna-se imprescindível considerar os
saberes prévios dos alunos, visto que esses são adquiridos em meio a suas
vivências e experiências com seu meio e foram absorvidos como consequência,
assim como a formação de elementos culturais que se percebem arraigados e que,
portanto, encontram-se presentes como
parte da cultura desse aluno (Boas, 2004; Porto, 2011).
É
importante destacar que um dos elementos culturais mais presentes em quase
todas as sociedades e que influenciam os grupos de forma mais direta é a
religião, que, na maioria das vezes, é detentora das bases de comportamento
moral e ético de determinados grupos (Porto, 2011) e, por ser considerada um
forte elemento cultural, pressiona o próprio sistema, tanto cultural, político,
social, ou mesmo religioso, a fazer com que a Educação escolar sofra
divergências sobre o que deve ser ensinado e como devem ser ensinados os
saberes elaborados pela ciência e que fazem parte do currículo escolar das
escolas formais (Brandão, 1989).
A Antropologia é uma das ciências utilizadas pela
Pedagogia como suporte no estudo do fenômeno Educação e torna-se essencial no
entendimento de valores e universos culturais em todos os processos
educacionais (Porto, 2011), portanto, torna-se imprescindível que o
conhecimento antropológico seja tido como base para a compreensão da educação
dentro da cultura (Martins, & Moraes, 2005). De acordo com a Antropologia,
podemos entender que a educação, por estar presente dentro de um contexto
cultural, é diretamente norteada por essa cultura, ao mesmo tempo em que a
cultura é reafirmada pela Educação (Porto, 2011), e ambas carregam elementos
que apresentam uma forte relação com a formação da identidade cultural de uma
comunidade ou grupo social, que se estabelecem com fatores peculiares e
inerentes a esse meio (Durkheim, 2000). Portanto, pode-se dizer também que a
educação – por ser um elemento cultural que não se desatrela do sentido maior
de cultura que, por sua vez, interfere com todos os seus elementos na educação
–, em uma via contínua, é um elemento cultural que possibilita a manutenção da
própria cultura (Porto, 2011).
Embora a Antropologia seja uma ciência ímpar, ela não
é uma ciência isolada, principalmente quando trabalhada através da Pedagogia
para entender o fenômeno Educação (Brandão, 1989). Ela é capaz de propor as
respostas para as questões relacionadas à educação e à cultura, utilizando,
como suporte para esse fim, elementos de outras ciências – como a Psicologia e
a Sociologia –, na compreensão das relações do indivíduo dentro do contexto
social e ainda se potencializa na intenção de catalisar seus fundamentos no que diz respeito às questões
culturais, sociais e Educacionais (Brandão, 1989). Compreender a contribuição
que essas ciências dão umas as outras é um importante passo para entender a
cultura e seus paralelos sociais no processo de apropriação em um contexto
educacional. Essas apropriações têm como base o desenvolvimento da linguagem,
um elemento estudado pela psicologia – ciência essa que também ajuda a desvelar
questões peculiares ao desenvolvimento humano em um contexto sociocultural. A
linguagem contribui expressivamente para a apropriação cultural e, de certa
forma, pode determinar e controlar o comportamento do indivíduo e interferir na
construção de suas identidades culturais e sociais (Boas, 2010), ou seja, a
Psicologia busca compreender o desenvolvimento humano e a Antropologia, a teia
de significados existentes em todo o contexto social observado pela
Sociologia.
Para
entendermos o contexto social, religioso, cultural e educacional que hoje está
estabelecido na maioria das sociedades modernas (Porto, 2011), é necessário
voltarmos nossos olhares para algumas sociedades primitivas, onde a organização
mostrava-se bastante complexa (Durkheim, 2000; Boas 2010; Malinowsky, 2015).
Essas comunidades primitivas que se localizavam na Austrália organizavam-se em clãs, que eram grupos maiores que se
subdividiam em frátrias, grupos
menores dentro dos clãs. A relação entre as frátrias dava-se em um processo bem
mais complexo. A identidade das frátrias era estabelecida através de totens, que as identificavam de
acordo com as relações estabelecidas dentro dos clãs (Malinowski, 2015).
A reflexão que podemos fazer, embora seja
claro que não convém se fazer comparações entre culturas (Boas, 2010), é de que
as organizações sociais estabelecidas hoje em meio à modernidade que vivemos
não se diferencia totalmente desse tipo de organização primitiva (Durkheim,
2000). Os sistemas econômicos estabelecidos determinam a posição social do
indivíduo (Porto, 2011), o que não se diferencia da seleção dos clãs. O
agrupamento geográfico determina a sua estrutura social como se fossem frátrias
e o poder econômico desses sujeitos determina sua identidade como se isso
representasse seu totem (Malinowski, 2015). A única diferença que se percebe, é
que nos sistemas de hoje – como o capitalismo, por exemplo – isso se torna bem
mais perceptível, nos levando a compreender que houve apenas ressignificações (Porto,
2011), mas a espinha dorsal permanece intacta, apenas aparece com uma nova
roupagem para efeito de modernidade dentro de um mundo dito civilizado (Durkheim,
2000).
A religião para Antropologia também é compreendida
como um elemento cultural, que está presente em todas as culturas (Albuquerque,
& Barbosa, 2016), mas, para compreendermos melhor essa relação da Religião
pela visão antropológica, é preciso levarmos em consideração que a religião,
para cada cultura, representa também as suas construções históricas, ligadas a
aspectos geográficos (Boas, 2010), formulando-se a partir da necessidade de
explicação da origem do próprio indivíduo, usando, na maioria das vezes,
elementos da sua própria cultura na tentativa de esclarecer determinadas
questões (Malinowski, 2015).
Os povos primitivos que não tinham interferência de
outros povos dentro da sua cultura tinham na construção de seus rituais
religiosos, elementos ímpares e únicos, o que faziam com que a sua manifestação
religiosa e espiritual fosse única dentro do contexto cultural, isso ainda
acontece em algumas tribos e não caracteriza necessariamente uma religião, mas
compreendemos esses rituais como uma manifestação religiosa de uma cultura primitiva
(Malinowski, 2015).
Os povos
modernos também manifestam seu sentimento religioso através de seus rituais, na
maioria das vezes ligados a grupos e agremiações religiosas estabelecidas como
a própria Religião (Albuquerque, & Barbosa, 2016), que possuem um ritual
organizado e uma liturgia nos cultos, geralmente ligados à ideia de um Ser Supremo, que deve ser visto como
o criador de toda estrutura do universo, sendo que,, em determinadas religiões,
essa ideia de criação de todas as coisas também pode ser atribuída a um único,
ou vários deuses, e até mesmo a personagens, entidades e seres atribuídos
unicamente à natureza.
É
importante considerar que a relação entre a Educação, a Cultura e a Religião
não pode ser entendida nas relações sociais desconectadas uma das outras, pois
a Religião e a Educação são elementos que fazem parte da Cultura (Albuquerque,
& Barbosa, 2016) e, mesmo que cada um tenha uma função distinta em um
determinado contexto cultural, todos os elementos desse contexto, além de
estarem entrelaçados à própria cultura, se entrelaçam também entre si. A
Educação é influenciada diretamente pelas questões culturais (Porto, 2011),
como também a religião interfere diretamente na cultura e vice versa. Logo,
todos esses elementos estão ligados e ocasionam também uma interferência direta
nas suas construções, por isso, compreendemos que as crenças religiosas são, de
certa forma, norteadores da educação (Valente, 2018), pois a Educação proposta
por uma cultura traz empregado elementos de valor religioso. Todo sujeito que é
adepto de uma religião, busca transferir esses valores religiosos a seus filhos
ou semelhantes e tem, naquilo que compreende como Sagrado, a ideia absoluta do correto (Boas, 2010), portanto, a
Educação dentro de uma cultura também é uma educação voltada às regras morais
da Religião (Valente, 2018).
Nas
sociedades modernas, com o surgimento do Estado, criou-se um modelo educativo
sob o qual o próprio Estado passou a ser o responsável em promover e ter seu
monopólio (Domingos, 2009). O modelo de Educação Escolar, que no início
continuou a ofertar essa educação com forte influência da Religião (Albuquerque,
& Barbosa, 2016), aos poucos foi sendo reformulado, na tentativa de
desvincular Educação e Religião, visto que o Estado, em um momento histórico,
também desvinculou-se da forte interferência religiosa que o dominava, pois a
pluralidade de crenças (Valente, 2018) já não permitia uma educação que
estivesse sob a influência de uma única religião e, ao ser instituído o Estado
Laico, todos os elementos que se encontram sob seu domínio e monopólio também
tornam-se isentos de qualquer influência além das que são próprias do Estado (Domingos,
2009). O Estado laico tem seu início na separação entre o Estado e a Igreja
Católica (Valente, 2018) e essa ideia do estabelecimento de um Estado laico,
onde não se permitiria mais interferência da igreja, foi potencializada pelo
protestantismo e pelo Iluminismo e, por volta de 1880, já era discutido pelo
Estado francês (Domingos, 2009).
A
separação entre Estado e igreja desvincula também a Educação Escolar, que é
promovida pelo Estado, de permanecer disponibilizando um ensino voltado para a
educação religiosa (Domingos, 2009; Valente, 2018). Isso não quer dizer que a
escola não possa desenvolver um ensino sobre questões religiosas, mas o mesmo
não deve ser centrado em uma única religião, ao contrário, deve promover a
compreensão e o respeito às diversas crenças e práticas religiosas – ou mesmo a
ausência delas –, que se mesclam entre a população (Valente, 2018), pois o que
se pode compreender como Estado Laico não é a ideia de um Estado que não
reconheça as variadas religiões de seu povo, ou o direito de não se ter uma
religião, ou professar uma fé, mas que está neutro à interferência de qualquer
uma delas, mesmo respeitando todas como elementos que fazem parte de sua
Cultura (Domingos, 2009; Valente, 2018).
Importa
considerar que o Estado Laico não é um estado sem religião, mas um Estado que
respeita o direito do cidadão de ter uma religião, professar uma fé, ou não (Valente,
2018), visto que ele deve assegurar a garantia do direito de liberdade de
crença, mas, para isso é necessário sua neutralidade em relação a religião (Domingos,
2009). Por isso, há ainda uma incompreensão por parte de grupos religiosos,
principalmente nas sociedades laicas de maioria cristã, onde esses grupos
organizados criam uma grande problemática envolvendo Educação, Estado e
Religião, em virtude de seus valores morais e ética estarem completamente
vinculados às suas crenças religiosas (Valente, 2018).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreender os elementos que fazem parte de uma
cultura também é algo essencial para entender outros fenômenos como a Educação
e a Religião, componentes culturais presentes na maioria das comunidades socialmente
organizadas. Não existe a possibilidade de compreender a Educação como algo
distinto da Cultura, assim como a Religião, pois esses são elementos culturais
que não podem ser desvencilhados uns dos outros. Não é possível também
compreender todos esses fenômenos, elementos e processos culturais se não nos
utilizarmos das várias ciências da humanidade, que traduzem as relações humanas
em objetos de estudos peculiares a cada uma delas.
É importante que a visão antropológica da cultura e
das relações e comportamentos humanos que resultam dela seja reafirmada com o
suporte de outras ciências, pois são elas que, em alguns momentos, ajudam com
subsídios para que a visão antropológica adquira respaldo e, portanto, uma
fundamentação mais consolidada, pois os estudos da cultura pela Antropologia
nos permitem compreender as relações do indivíduo dentro de seus contextos
sociais e culturais, porém, essas relações vão bem mais além do entendimento da
cultura como algo isolado, estando sempre estabelecendo ligações das suas
composições culturais com outros elementos que a fazem se reafirmar como algo
próprio e único em um meio social, carregado de fatores que representam a
afirmação das identidades de um grupo ou de uma comunidade humana.
Reconhecemos, portanto, que os aspectos educacionais e
culturais dentro desses grupos ou comunidades humanas socialmente organizadas
encontra-se com alguns elementos peculiares que se apresentam com um grande
potencial de interferência nas ações desses grupos, variando em sua composição
dentro dos mesmos, embora possam trazer, de certa forma, alguma semelhança em
suas características primárias. Porém, se há nesse reconhecimento a compreensão
de que Educação e Religião são elementos culturais interligados, o mesmo
pode-se dizer dos elementos religiosos que fazem parte da relação cultural dos
grupos humanos, pois, se os mesmos são parte da composição cultural, também
mantém uma relação não apenas de proximidade, mas de envolvimento com a
educação.
Isso pode vir a causar determinados conflitos, pois,
em algumas sociedades modernas, o Estado laico não permite a interferência da
religião na Educação, visto que essa está sob monopólio do próprio Estado, e,
mesmo que se tenha total conhecimento de que a Religião é um fator cultural, a
mesma pode não ser única em um determinado Estado organizado. Logo, se conclui
que, em sociedades como uma diversidade religiosa, não seria possível deixar a
educação a cargo de uma única religião, sendo que isso não é sequer aceito em
uma sociedade moderna que se configura a partir de um Estado laico, pois, se a
educação estiver a cargo de dogmas religiosos, não há como formar sujeitos
críticos, visto que a religião, mesmo sendo fator cultural, interfere na
liberdade das propostas educacionais para crítica a reflexão e a liberdade,
pois não há como se fazer uma reflexão sobre as realidades sem a devida
liberdade de opinião, de expressão e de pensamento.
Convém destacar que a cultura e seus elementos devem
ser preservados, tendo como exceção aqueles que desumanizam, que ferem os
direitos humanos e a própria dignidade dos sujeitos, pois a dinâmica da cultura
é capaz de ressignificá-la em tempos de leitura de mundo mais humanizastes,
sendo que a Educação e a Religião não podem ser a causa da degradação humana,
nem da promoção das desigualdades, das violências e dos conflitos que causam
flagelos nas sociedades organizadas. Por isso, é necessário o respeito pelas
diferenças culturais, sejam religiosas, ou de outra ordem. Porém, a educação
representa o conjunto das diferenças e das diversidades presentes em uma única
cultura, portanto, se não é possível o desligamento entre educação e religião
por estarem culturalmente interligadas, a Educação também não deve ser
apresentada de forma impregnada de valores religiosos, que não permitam a
compreensão e o respeito ao diverso, a valorização da ciência e das liberdades
de culto, pensamento e opinião.
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