Educação, religião e cultura: Algumas considerações antropológicas sobre os fundamentos religiosos e suas interferências no processo educativo formal

 

Luciano Tadeu Corrêa Medeiros

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Bianca Marinho de Souza

[email protected].

Ariana Souza Carneiro

[email protected]

Elianay Wilkerson da Silva Pereira

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Joaquina Ianca dos Santos Miranda

[email protected]

Luana Patrícia Paixão Maciel

[email protected]

Pricila Silva Rodrigues

[email protected]

Universidade Federal do Pará – UFPA, Brasil.

RESUMO

O artigo trata da Educação e Religião como elementos culturais presentes nas diversas sociedades. O objetivo é desenvolver um estudo reflexivo sobre a relação existente entre esses dois elementos culturais e como os mesmos interferem na formação individual e coletiva dos sujeitos nas comunidades socialmente organizadas. O trabalho foi desenvolvido a partir de uma abordagem qualitativa, que contou com uma pesquisa de revisão bibliográfica de autores que tratam de temas educacionais, antropológicos e sociológicos. Os resultados sugerem que, nas estruturas sociais das comunidades humanas, deve-se exercer a aplicação de uma educação de forma distinta, onde a religião não cause interferência, o que já acontece nas sociedades onde o Estado é laico. Porém, é perceptível que mesmo diante da condição de laicidade, a sociedade encontra-se impregnada de orientação de caráter religioso, mostrando que a religião deve ser entendida como um fator cultural de forte influência, não apenas na aquisição de costumes, hábitos e nas ações desenvolvidas pelo grupo social onde a mesma acontece, mas, além disso, como determinante nos processos educativos formais que também são potenciais influenciadores na afirmação da cultura dessas sociedades.

Palavras-chave: Religião, Cultura e Educação; Processos Educativos; Grupos Sociais.

Education, religion, and culture: Some anthropological considerations on religious fundamentals and their interferences in the formal educational process

 

ABSTRACT

The article deals with Education and Religion as cultural elements present in different societies. The objective is to develop a reflective study on the relationship between these two cultural elements and how they interfere in the individual and collective formation of subjects in socially organized communities. The work was developed from a qualitative approach, which included a bibliographic review of authors who deal with educational, anthropological, and sociological themes. The results suggest that, in the social structures of human communities, one must exercise the application of education in a different way, where religion does not cause interference, which already happens in societies where the state is secular. However, it is noticeable that even in the face of the secular condition, society is impregnated with a religious orientation, showing that religion must be understood as a cultural factor of strong influence, not only in the acquisition of customs, habits, and actions developed by the social group where it happens but, besides, as determinant informal educational processes that are also potential influencers in affirming the culture of these societies.

Keywords: Religion, Culture and Education; Educational Processes; Social Groups.

 

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Artículo recibido: 03 nov. 2020

Aceptado para publicación: 07 dic. 2020

Correspondencia [email protected]

    Conflictos de Interés: Ninguna que declarar

 

 

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

A religião e a Educação são fatores culturais que estão presente nas relações de qualquer comunidade humana socialmente organizada. Exercem uma potencial influência na construção dos hábitos sociais dessas comunidades e produz uma interferência direta na formação dos sujeitos (Brandão, 1989) membros desses grupos – seja de forma individual, ou coletiva ­– e isso tem relação direta com as ações que passam a ser exercidas por esses sujeitos ou grupos sociais (Boas, 2010). Para compreendermos determinados processos nas ações e comportamentos desses grupos sociais humanos, torna-se necessário fazermos uma reflexão sobre os mesmos a partir de diversos olhares, através de análises por variados segmentos da ciência que têm por objetivo desvelar as causas e consequências dessas ações humanas (Mrtins, & Morais, 2005).

Algumas dessas ciências, em especial as da humanidade – como por exemplo: a Antropologia, a Sociologia e a Psicologia –, podem ajudar no entendimento geral dessas relações de aquisição e manifestação de comportamentos, pois, através delas, os objetos envolvidos nas relações de construção social humana podem ser explicados à luz de seus olhares investigativos (Mrtins, & Morais, 2005). Isso dinamiza a compreensão do meio social, da influência do sistema sociopolítico e de fatores que envolvem significados simbólicos dentro das relações existentes nas sociedades humanas (Brandão, 1989; Porto, 2011), visto que tais relações estão interligadas dentro do contexto social e político de toda e qualquer sociedade (Brandão, 1989), portanto, deve-se considerar que as comunidades sociais organizadas, para se estabelecerem, contam com a concretização da existência de seus símbolos identitários, que são constituídos. dentre outros fatores, com a expressão das linguagens – onde destaca-se a língua local e seus signos como principal elemento de afirmação –, pois essas traduzem o significado da cultura, das identidades e de todos os elementos que a compõe (Boas, 2010; Porto, 2011).

 Nesse sentido, quando buscamos entender os hábitos, os costumes, as ações humanas e as relações que as mesmas produzem, uma das ciências que torna possível essa compreensão é a Antropologia, que nos traduz essas observações através de um elemento chamado Cultura (Boas, 2010). Segundo Malinowski (2015), em uma sociedade, a cultura define-se como uma unidade bem organizada, que se divide em dois aspectos considerados por ele como fundamentais e que o mesmo identifica como sendo: o primeiro um corpo de artefatos e o segundo um sistema de costumes (Malinowski, 2015). Considera-se, portanto, a Cultura, como um dos elementos determinantes para a composição dos aspectos fundamentais relacionados aos comportamentos e ações encontrados nas relações humanas dentro de um determinado grupo social (Porto, 2011), pois a cultura organiza todas as manifestações de costumes em uma comunidade, visto que todo indivíduo tem suas ações afetadas pelos hábitos do grupo do qual ele faz parte, tornando-se, assim, um produto desse meio (Brandão, 1989), onde seus comportamentos e atividades humanas são determinados por esses hábitos que foram socialmente adquiridos (Boas, 2010; Porto, 2011). Contudo, dentro do espectro social, alguns elementos culturais são categoricamente os determinantes para influenciar a absorção de hábitos e costumes (Mrtins, & Morais, 2005), assim como nas aquisições dos artefatos e símbolos – que organizam as composições dos grupos sociais e comunidades – para a construção de sua cultura (Brandão, 1989). Esses elementos encontram-se incorporados e, por assim se encontrarem, os mesmos estão naturalizados no contexto social dos sujeitos (Porto, 2011).

A Educação é um elemento que podemos citar como um dos que apresentam maior expressão entre os que se encontram notavelmente incorporados nas relações sociais humanas e diretamente ligados à formação dos sujeitos (Brandão, 1989; Mrtins, & Morais, 2005), que tem por consequência as ações que são manifestadas por esses. Por isso, a Educação, fenômeno estudado pela pedagogia – que é constituída como ciências da educação –, contribui de forma bastante significativa no entendimento necessário das relações que envolvem a própria educação formal com outros elementos culturais (Brandão, 1989), que também se encontram envoltos nas relações sociais existentes e que tornam-se fundamentais para que o comportamento social possa ser não apenas proposto, mas estabelecido nas comunidades ou grupos sociais organizados (Mrtins, & Morais, 2005). A pedagogia possibilita, muitas vezes através dos estudos do fenômeno Educação e suas relações com a formação dos sujeitos (Brandão, 1989), compreender como esses se compõem e como os mesmos são capazes de construir e conduzir as relações que os envolvem em seu meio (Porto, 2011).

A religião também é um elemento cultural de grande expressão nos meios sociais. Ela está ligada a crenças coletivas e fundamentos dogmáticos, que podemos considerar como fatores espirituais que se encontram dentro de uma esfera de profunda abstração nas relações idearias entre indivíduos e suas crenças dentro de cada cultura (Boas, 2010). Isso não significa dizer que a religião, por ser um elemento da cultura, manifesta-se em uma composição única em um meio cultural, pois em uma única sociedade ela pode ser plural (Porto, 2011), passando a existir a partir de propostas variadas de crenças e grupos que se identifique com cada uma delas, dentro de em um mesmo contexto social, o que também não significa dizer que cada uma das religiões propostas não tenha também a sua peculiaridade cultural, ou seja, mesmo dentro de uma única cultura, podemos encontrar variadas manifestações culturais religiosas, o que não interfere no contexto geral do meio cultural onde isso acontece (Malinowski, 2015).

Este trabalho traz uma discussão acerca das relações que envolvem Educação, Cultura e Religião, e, na busca de compreendermos como se estabelecem essas relações no meio social, torna-se conveniente fazermos o seguinte questionamento: como se desenvolvem as relações entre Educação, Cultura e Religião em uma comunidade socialmente organizada?

2. CAMINHOS METODOLÓGICOS

O trabalho tem como base a abordagem qualitativa e foi desenvolvido a partir de uma pesquisa de revisão bibliográfica de autores que tratam dos temas Antropologia, Sociologia e Educação, e, a partir da compilação dos pressupostos desses autores, desenvolveu-se uma discussão a partir da esfera de atuação dessas ciências, na verificação do objeto pesquisado.

Destacamos a pesquisa de revisão bibliográfica como importante instrumento na composição de trabalhos dessa natureza, que trazem discussões acerca de temas sociais, antropológicos e educacionais, pois, através da compilação de pressupostos de teóricos de autores que trabalham os mais variados temas, é possível a construção e apropriação de novas respostas para assuntos já há muito discutido, como também a fomentação de análises sobre questões emergentes na realidade educacional.

3. Resultados E DISCUSSÕES

A educação escolar como modelo formal de ensino tem, nos conhecimentos científicos, o principal dos saberes a serem ensinados nesse modelo educativo (Brandão, 1989). Porém, como o fenômeno Educação pode ser estudado a partir do olhar de várias ciências, compreende-se o ato de ensinar como algo que requer o conhecimento sistemático dessas ciências, a fim de que a condução do processo educativo considere todos os fatores que podem estar tanto implícitos, como explícitos, mas que têm papel determinante no resultado apresentado na relação de ensino e aprendizagem (Brandão, 1989).

Nesse sentido, pode-se compreender que nessa relação existem variados fatores, tanto internos, como também externos, que envolvem os sujeitos no processo educativo escolar, dentre os quais podemos destacar os fatores socioculturais. Para Franz Boas (2004), é necessário considerar que a Educação é um fenômeno que acontece dentro do próprio contexto cultural onde ela é proposta e fundamenta-se por elementos próprios da cultura. O autor ainda nos alertou que a Educação formal está carregada de determinações que a condicionam a um formato onde não há liberdades para o exercício da aprendizagem (Boas, 2004).

O fator cultural também se torna um elemento considerável nessa relação, pois encontra-se incorporado nos sujeitos das mais diversas formas e, ainda que na maioria das vezes os sujeitos façam parte de um mesmo meio, a dinâmica cultural não torna os grupos homogêneos (Boas, 2010; Porto, 2011), ao contrário, ela produz as diversidades e acolhe as diferenças em um mesmo grupo, sendo que essa diversidade cultural compreende que os sujeitos podem ser tanto ímpares, como múltiplos ao mesmo tempo e todos podem fazer parte de um mesmo grupo social (Porto, 2011). Por isso, podemos entender que a educação não só legítima a identidade cultural, como também permite a apropriação e disseminação dos elementos que são parte legítima dessa cultura, mesmo que Educação formal imponha limites na liberdade que essa Educação deva exercer  (Boas, 2004).

 Isso não se torna complexo, pois, quando se compreende a cultura, elenca-se e considera-se esses elementos no momento de pôr em prática as ações educativas que muitas vezes a escola busca trabalhar (Porto, 2011) – em seus currículos por hora determinados (Boas, 2004) – de forma transversal, mas independente de se trabalhar o conhecimento sobre as questões que envolvem a própria cultura, as práticas educativas devem levar em conta a bagagem cultural que identifica a liberdade de aprendizagem de cada um desses alunos traz em si (Brandão, 1989), pois ela é a responsável muitas vezes pela preservação da história de grupos humanos singulares (Porto, 2011), pois, se apresentam carregadas de costumes peculiares a esses grupos. Portanto, torna-se imprescindível considerar os saberes prévios dos alunos, visto que esses são adquiridos em meio a suas vivências e experiências com seu meio e foram absorvidos como consequência, assim como a formação de elementos culturais que se percebem arraigados e que, portanto,  encontram-se presentes como parte da cultura desse aluno (Boas, 2004; Porto, 2011).

É importante destacar que um dos elementos culturais mais presentes em quase todas as sociedades e que influenciam os grupos de forma mais direta é a religião, que, na maioria das vezes, é detentora das bases de comportamento moral e ético de determinados grupos (Porto, 2011) e, por ser considerada um forte elemento cultural, pressiona o próprio sistema, tanto cultural, político, social, ou mesmo religioso, a fazer com que a Educação escolar sofra divergências sobre o que deve ser ensinado e como devem ser ensinados os saberes elaborados pela ciência e que fazem parte do currículo escolar das escolas formais (Brandão, 1989).

A Antropologia é uma das ciências utilizadas pela Pedagogia como suporte no estudo do fenômeno Educação e torna-se essencial no entendimento de valores e universos culturais em todos os processos educacionais (Porto, 2011), portanto, torna-se imprescindível que o conhecimento antropológico seja tido como base para a compreensão da educação dentro da cultura (Martins, & Moraes, 2005). De acordo com a Antropologia, podemos entender que a educação, por estar presente dentro de um contexto cultural, é diretamente norteada por essa cultura, ao mesmo tempo em que a cultura é reafirmada pela Educação (Porto, 2011), e ambas carregam elementos que apresentam uma forte relação com a formação da identidade cultural de uma comunidade ou grupo social, que se estabelecem com fatores peculiares e inerentes a esse meio (Durkheim, 2000). Portanto, pode-se dizer também que a educação – por ser um elemento cultural que não se desatrela do sentido maior de cultura que, por sua vez, interfere com todos os seus elementos na educação –, em uma via contínua, é um elemento cultural que possibilita a manutenção da própria cultura (Porto, 2011). 

Embora a Antropologia seja uma ciência ímpar, ela não é uma ciência isolada, principalmente quando trabalhada através da Pedagogia para entender o fenômeno Educação (Brandão, 1989). Ela é capaz de propor as respostas para as questões relacionadas à educação e à cultura, utilizando, como suporte para esse fim, elementos de outras ciências – como a Psicologia e a Sociologia –, na compreensão das relações do indivíduo dentro do contexto social e ainda se potencializa na intenção de catalisar seus fundamentos no que diz respeito às questões culturais, sociais e Educacionais (Brandão, 1989). Compreender a contribuição que essas ciências dão umas as outras é um importante passo para entender a cultura e seus paralelos sociais no processo de apropriação em um contexto educacional. Essas apropriações têm como base o desenvolvimento da linguagem, um elemento estudado pela psicologia – ciência essa que também ajuda a desvelar questões peculiares ao desenvolvimento humano em um contexto sociocultural. A linguagem contribui expressivamente para a apropriação cultural e, de certa forma, pode determinar e controlar o comportamento do indivíduo e interferir na construção de suas identidades culturais e sociais (Boas, 2010), ou seja, a Psicologia busca compreender o desenvolvimento humano e a Antropologia, a teia de significados existentes em todo o contexto social observado pela Sociologia. 

Para entendermos o contexto social, religioso, cultural e educacional que hoje está estabelecido na maioria das sociedades modernas (Porto, 2011), é necessário voltarmos nossos olhares para algumas sociedades primitivas, onde a organização mostrava-se bastante complexa (Durkheim, 2000; Boas 2010; Malinowsky, 2015). Essas comunidades primitivas que se localizavam na Austrália organizavam-se em clãs, que eram grupos maiores que se subdividiam em frátrias, grupos menores dentro dos clãs. A relação entre as frátrias dava-se em um processo bem mais complexo. A identidade das frátrias era estabelecida através de totens, que as identificavam de acordo com as relações estabelecidas dentro dos clãs (Malinowski, 2015).

 A reflexão que podemos fazer, embora seja claro que não convém se fazer comparações entre culturas (Boas, 2010), é de que as organizações sociais estabelecidas hoje em meio à modernidade que vivemos não se diferencia totalmente desse tipo de organização primitiva (Durkheim, 2000). Os sistemas econômicos estabelecidos determinam a posição social do indivíduo (Porto, 2011), o que não se diferencia da seleção dos clãs. O agrupamento geográfico determina a sua estrutura social como se fossem frátrias e o poder econômico desses sujeitos determina sua identidade como se isso representasse seu totem (Malinowski, 2015). A única diferença que se percebe, é que nos sistemas de hoje – como o capitalismo, por exemplo – isso se torna bem mais perceptível, nos levando a compreender que houve apenas ressignificações (Porto, 2011), mas a espinha dorsal permanece intacta, apenas aparece com uma nova roupagem para efeito de modernidade dentro de um mundo dito civilizado (Durkheim, 2000).  

A religião para Antropologia também é compreendida como um elemento cultural, que está presente em todas as culturas (Albuquerque, & Barbosa, 2016), mas, para compreendermos melhor essa relação da Religião pela visão antropológica, é preciso levarmos em consideração que a religião, para cada cultura, representa também as suas construções históricas, ligadas a aspectos geográficos (Boas, 2010), formulando-se a partir da necessidade de explicação da origem do próprio indivíduo, usando, na maioria das vezes, elementos da sua própria cultura na tentativa de esclarecer determinadas questões (Malinowski, 2015). 

Os povos primitivos que não tinham interferência de outros povos dentro da sua cultura tinham na construção de seus rituais religiosos, elementos ímpares e únicos, o que faziam com que a sua manifestação religiosa e espiritual fosse única dentro do contexto cultural, isso ainda acontece em algumas tribos e não caracteriza necessariamente uma religião, mas compreendemos esses rituais como uma manifestação religiosa de uma cultura primitiva (Malinowski, 2015).

 Os povos modernos também manifestam seu sentimento religioso através de seus rituais, na maioria das vezes ligados a grupos e agremiações religiosas estabelecidas como a própria Religião (Albuquerque, & Barbosa, 2016), que possuem um ritual organizado e uma liturgia nos cultos, geralmente ligados à ideia de um Ser Supremo, que deve ser visto como o criador de toda estrutura do universo, sendo que,, em determinadas religiões, essa ideia de criação de todas as coisas também pode ser atribuída a um único, ou vários deuses, e até mesmo a personagens, entidades e seres atribuídos unicamente à natureza.

É importante considerar que a relação entre a Educação, a Cultura e a Religião não pode ser entendida nas relações sociais desconectadas uma das outras, pois a Religião e a Educação são elementos que fazem parte da Cultura (Albuquerque, & Barbosa, 2016) e, mesmo que cada um tenha uma função distinta em um determinado contexto cultural, todos os elementos desse contexto, além de estarem entrelaçados à própria cultura, se entrelaçam também entre si. A Educação é influenciada diretamente pelas questões culturais (Porto, 2011), como também a religião interfere diretamente na cultura e vice versa. Logo, todos esses elementos estão ligados e ocasionam também uma interferência direta nas suas construções, por isso, compreendemos que as crenças religiosas são, de certa forma, norteadores da educação (Valente, 2018), pois a Educação proposta por uma cultura traz empregado elementos de valor religioso. Todo sujeito que é adepto de uma religião, busca transferir esses valores religiosos a seus filhos ou semelhantes e tem, naquilo que compreende como Sagrado, a ideia absoluta do correto (Boas, 2010), portanto, a Educação dentro de uma cultura também é uma educação voltada às regras morais da Religião (Valente, 2018). 

Nas sociedades modernas, com o surgimento do Estado, criou-se um modelo educativo sob o qual o próprio Estado passou a ser o responsável em promover e ter seu monopólio (Domingos, 2009). O modelo de Educação Escolar, que no início continuou a ofertar essa educação com forte influência da Religião (Albuquerque, & Barbosa, 2016), aos poucos foi sendo reformulado, na tentativa de desvincular Educação e Religião, visto que o Estado, em um momento histórico, também desvinculou-se da forte interferência religiosa que o dominava, pois a pluralidade de crenças (Valente, 2018) já não permitia uma educação que estivesse sob a influência de uma única religião e, ao ser instituído o Estado Laico, todos os elementos que se encontram sob seu domínio e monopólio também tornam-se isentos de qualquer influência além das que são próprias do Estado (Domingos, 2009). O Estado laico tem seu início na separação entre o Estado e a Igreja Católica (Valente, 2018) e essa ideia do estabelecimento de um Estado laico, onde não se permitiria mais interferência da igreja, foi potencializada pelo protestantismo e pelo Iluminismo e, por volta de 1880, já era discutido pelo Estado francês (Domingos, 2009). 

A separação entre Estado e igreja desvincula também a Educação Escolar, que é promovida pelo Estado, de permanecer disponibilizando um ensino voltado para a educação religiosa (Domingos, 2009; Valente, 2018). Isso não quer dizer que a escola não possa desenvolver um ensino sobre questões religiosas, mas o mesmo não deve ser centrado em uma única religião, ao contrário, deve promover a compreensão e o respeito às diversas crenças e práticas religiosas – ou mesmo a ausência delas –, que se mesclam entre a população (Valente, 2018), pois o que se pode compreender como Estado Laico não é a ideia de um Estado que não reconheça as variadas religiões de seu povo, ou o direito de não se ter uma religião, ou professar uma fé, mas que está neutro à interferência de qualquer uma delas, mesmo respeitando todas como elementos que fazem parte de sua Cultura (Domingos, 2009; Valente, 2018).

Importa considerar que o Estado Laico não é um estado sem religião, mas um Estado que respeita o direito do cidadão de ter uma religião, professar uma fé, ou não (Valente, 2018), visto que ele deve assegurar a garantia do direito de liberdade de crença, mas, para isso é necessário sua neutralidade em relação a religião (Domingos, 2009). Por isso, há ainda uma incompreensão por parte de grupos religiosos, principalmente nas sociedades laicas de maioria cristã, onde esses grupos organizados criam uma grande problemática envolvendo Educação, Estado e Religião, em virtude de seus valores morais e ética estarem completamente vinculados às suas crenças religiosas (Valente, 2018). 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreender os elementos que fazem parte de uma cultura também é algo essencial para entender outros fenômenos como a Educação e a Religião, componentes culturais presentes na maioria das comunidades socialmente organizadas. Não existe a possibilidade de compreender a Educação como algo distinto da Cultura, assim como a Religião, pois esses são elementos culturais que não podem ser desvencilhados uns dos outros. Não é possível também compreender todos esses fenômenos, elementos e processos culturais se não nos utilizarmos das várias ciências da humanidade, que traduzem as relações humanas em objetos de estudos peculiares a cada uma delas.

É importante que a visão antropológica da cultura e das relações e comportamentos humanos que resultam dela seja reafirmada com o suporte de outras ciências, pois são elas que, em alguns momentos, ajudam com subsídios para que a visão antropológica adquira respaldo e, portanto, uma fundamentação mais consolidada, pois os estudos da cultura pela Antropologia nos permitem compreender as relações do indivíduo dentro de seus contextos sociais e culturais, porém, essas relações vão bem mais além do entendimento da cultura como algo isolado, estando sempre estabelecendo ligações das suas composições culturais com outros elementos que a fazem se reafirmar como algo próprio e único em um meio social, carregado de fatores que representam a afirmação das identidades de um grupo ou de uma comunidade humana.

Reconhecemos, portanto, que os aspectos educacionais e culturais dentro desses grupos ou comunidades humanas socialmente organizadas encontra-se com alguns elementos peculiares que se apresentam com um grande potencial de interferência nas ações desses grupos, variando em sua composição dentro dos mesmos, embora possam trazer, de certa forma, alguma semelhança em suas características primárias. Porém, se há nesse reconhecimento a compreensão de que Educação e Religião são elementos culturais interligados, o mesmo pode-se dizer dos elementos religiosos que fazem parte da relação cultural dos grupos humanos, pois, se os mesmos são parte da composição cultural, também mantém uma relação não apenas de proximidade, mas de envolvimento com a educação.

Isso pode vir a causar determinados conflitos, pois, em algumas sociedades modernas, o Estado laico não permite a interferência da religião na Educação, visto que essa está sob monopólio do próprio Estado, e, mesmo que se tenha total conhecimento de que a Religião é um fator cultural, a mesma pode não ser única em um determinado Estado organizado. Logo, se conclui que, em sociedades como uma diversidade religiosa, não seria possível deixar a educação a cargo de uma única religião, sendo que isso não é sequer aceito em uma sociedade moderna que se configura a partir de um Estado laico, pois, se a educação estiver a cargo de dogmas religiosos, não há como formar sujeitos críticos, visto que a religião, mesmo sendo fator cultural, interfere na liberdade das propostas educacionais para crítica a reflexão e a liberdade, pois não há como se fazer uma reflexão sobre as realidades sem a devida liberdade de opinião, de expressão e de pensamento.

Convém destacar que a cultura e seus elementos devem ser preservados, tendo como exceção aqueles que desumanizam, que ferem os direitos humanos e a própria dignidade dos sujeitos, pois a dinâmica da cultura é capaz de ressignificá-la em tempos de leitura de mundo mais humanizastes, sendo que a Educação e a Religião não podem ser a causa da degradação humana, nem da promoção das desigualdades, das violências e dos conflitos que causam flagelos nas sociedades organizadas. Por isso, é necessário o respeito pelas diferenças culturais, sejam religiosas, ou de outra ordem. Porém, a educação representa o conjunto das diferenças e das diversidades presentes em uma única cultura, portanto, se não é possível o desligamento entre educação e religião por estarem culturalmente interligadas, a Educação também não deve ser apresentada de forma impregnada de valores religiosos, que não permitam a compreensão e o respeito ao diverso, a valorização da ciência e das liberdades de culto, pensamento e opinião.

5.  Lista de ReferÊncias

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Malinowski, B. K. (2015). Crime e costume na sociedade selvagem. Tradução de Noéli Correia de Melo Sobrinho. Petrópolis: Vozes.

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Valente, G. A. (2018). Laicidade, Ensino Religioso e religiosidade na escola pública brasileira: questionamentos e reflexões. Revista Pró-posições, 29(1), p. 107-127.