Traços de perversão numa estrutura neurótica. Estudo de caso

 

 

Roselene Espírito Santo Wagner [1]

 

Dr. Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues[2]

[email protected]

 

 

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo, resumir as três grandes estruturas mentais à luz da psicanálise: neurose, psicose e perversão.  Articulando seu funcionamento com os devidos mecanismos de defesa. Apresentando um estudo de caso, de paciente neurótica histérica com diagnóstico de depressão, que usa de traços da perversão para dominação pela manipulação, através de mecanismo de defesa de vitimização e culpa. Obtendo ganhos imediatos e primários com perdas secundárias a médio e longo prazo. Numa posição infantilizada, que se mantém no gozo pela negação e projeção.

 

Palavras Chaves: neurose; perversão; mecanismos de defesa.

 

 

 

 

Traces of perversion in a neurotic structure. case study

 

 

 

ABSTRACT

This article aims to review the three major mental structures in the light of psychoanalysis: neurosis, psychosis and perversion. Presenting a case study of a hysterical neurotic patient who uses traits of sociopathy for domination by manipulation, through a defense mechanism of victimization and guilt. Obtaining immediate and primary gains with secondary losses in the medium and long term. In a childlike position, which remains in enjoyment through negation and projection.

 

Keywords: neurosis; perversion; defense mechanisms.

 

 

 

 

 

Artículo recibido:  15 enero 2022

Aceptado para publicación: 08 febrero 2022

Correspondencia: [email protected]

Conflictos de Interés: Ninguna que declarar

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

INTRODUÇÃO

A teoria psicanalítica resgata a dimensão do sofrimento como mobilizador e expressão dos processos subjetivos. Nesse sentido, esse corpo teórico parte de uma abordagem mais compreensiva da condição patológica por meio de seu método clínico. Ela vem se articular à tradição mais ampla da psicopatologia compreensiva que na psiquiatria se opôs aos modelos organicistas e funcionalistas, buscando a dimensão de sentido inerente ao sofrimento, por meio de referenciais de inspiração humanística e existencial. Essa vertente confluiu, mais recentemente, na proposta de um paradigma alternativo e crítico à tradição psiquiátrica atualmente em voga, denominado de psicopatologia fundamental (Berlinck, 2008). Essa perspectiva está calcada no resgate da noção grega de páthos, entendida como uma condição passiva e passional por meio do qual se produz também o caminho de cura e em um resgate da clínica como um cuidado que se debruça sobre a singularidade e particularidade do sofrimento das pessoas.

Nesse contexto, a psicopatologia propriamente psicanalítica vem trazer a diferenciação entre os planos sintomatológicos e estrutural. Isso quer dizer que os sintomas são pensados como produtos de certa configuração de mecanismos hipotéticos do aparelho psíquico. Essa estrutura, por sua vez, é descrita a partir dos mecanismos psicodinâmicos próprios do referencial, calcados na noção de desenvolvimento da personalidade ou de constituição do sujeito, a partir do quadro geral da teoria da libido e do complexo de Édipo. Além disso, entende-se que a estrutura subjetiva é apreensível a partir do método psicanalítico, por meio de sua escuta interpretativa e do vínculo transferencial (Leite, 2002; Dor, 1991; Bergeret et al., 2006; Vaisberg & Machado, 1999). Quer seja na psicopatologia de inspiração lacaniana (Leite, 2002; Dor, 1991), em que a compreensão etiológica se dá a partir das três formas de resposta à castração instaurando lógicas distintas de organização da subjetividade, quer seja na psicopatologia inspirada na tradição das relações de objeto (Bergeret et al., 2006; Vaisberg & Machado, 1999), em que os critérios metapsicológicos são definidos pela angústia organizadora e pelo modo de relação objetal predominante, a situação é pensada da mesma forma: o sintoma é produto da organização dinâmica da estrutura psicopatológica.

A depressão é uma configuração psicopatológica que traz questionamentos para a psicanálise por dois motivos. O primeiro é que a depressão, de fato, assumiu características patológicas mais marcadas nas últimas décadas, sendo uma das formas contemporâneas de adoecimento psíquico que estão fora dos quadros mais clássicos da psicopatologia psicanalítica. O outro fator é que, historicamente, o afeto depressivo ocupou um lugar marginal ao longo do desenvolvimento da teoria psicanalítica, a começar por seu fundador.

Depressão, dor e angústia dizem respeito à expressão afetiva da intensidade pulsional, não fazendo parte de uma caracterização psicopatológica específica. Contudo, diferentemente da angústia, que se tornou o afeto por excelência da investigação psicanalítica, o afeto depressivo não obteve o mesmo destaque (Delouya, 2001). É só no texto Luto e Melancolia, que Freud (1917/1996) dará um tratamento específico ao tema da depressão/melancolia. Nesse conhecido estudo, o autor irá desenvolver a hipótese de uma etiologia psicogênica para a melancolia, tomando-a em analogia com os processos de luto. De forma resumida, a hipótese é que pela impossibilidade do trabalho de luto normal a sombra do objeto recai sobre o ego por meio de uma identificação. Isso quer dizer que pela impossibilidade de desinvestimento do objeto perdido de amor, há uma inversão do afeto em seu oposto, que leva a uma transformação do amor objetal em ódio, e, além disso, há uma identificação do ego com o objeto perdido, levando o sadismo a se voltar contra o próprio sujeito, por meio de uma reflexão do investimento do objeto sobre o eu (Freud, 1917/1996). O ponto de fixação dessa problemática se dá justamente no momento de constituição do vínculo com o objeto, no momento do narcisismo.

As Três estruturas Mentais à Luz da Psicanálise: Neurose, Psicose, Perversão e suas articulações.

A neurose estabelece como mecanismo de defesa o recalque, enquanto a psicose se utiliza forclusão e a perversão da denegação. Sabemos que uma vez definida a personalidade e sua estrutura mental, não haverá mudança. Cada estrutura mental encontra seu próprio mecanismo de defesa, como já mencionado. Isso se dá de forma inconsciente, para que o sujeito possa lidar com o sofrimento que advém do Complexo de Édipo, segundo Freud.

Ne estrutura mental denominada Psicose, encontramos três subdivisões, sendo estas paranoia, autismo e esquizofrenia, segundo Lacan estes fazem uso do mecanismo de defesa foraclusão ou forclusão. Sendo assim, o psicótico encontra fora de si o que exclui dentro. O problema do psicótico nunca está em si, está sempre fora, no outro. No Transtorno de Personalidade Paranoide ou paranoia, o sujeito sente-se vigiado, perseguido e até mesmo atacado pelo outro.

No autismo o sujeito cria um mundo particular, se isola, nega a comunicação, o outro não existe.

Na esquizofrenia há a dissociação psíquica, o sujeito fica desconectado de seus pensamentos emoções, memórias e a própria identidade.

Os sintomas mais comuns na psicose são:

§  Alteração de humor,

§  Confusão nos pensamentos,

§  Alucinações,

§  Mudanças repentinas nos sentimentos.

A estrutura mental denominada neurose, subdivide-se em histérica e obsessiva, e faz uso do mecanismo de defesa do recalque ou repressão. Enquanto o psicótico coloca tudo fora e revela-se para o mundo externo através de seu comportamento. O Neurótico guarda tudo em si, mantendo em segredo, ás vezes de si mesmo, os motivos que o fazem agir.  É disso que se trata o recalque o a repressão. O indivíduo provoca uma cisão no psiquismo, tudo que provoca sofrimento fica recalcado ou reprimido. O neurótico identifica os sintomas que causam sofrimento mas não entra em contato com a dor que é a causa.

Na neurose obsessiva o sujeito organiza tudo a sua volta, recalcando problemas e desorganização no seu mundo interno. Na histeria, a pessoa gira em torno de si, dando voltas sem identificar o motivo da frustração, apenas reclama sem tomar decisões que a tire desse estado repetitivo.

Segundo Freud, na perversão o sujeito não reconhece a dor, um sintoma, um problema, Utilizam o fetiche como algo que traz prazer e buscam incessantemente por isso. Utilizam como mecanismo de defesa a denegação, a recusa em reconhecer que há um problema m seu comportamento.

Há uma forma da Psicose se relacionar com a depressão, no maníaco depressivo, hoje chamado de bipolar. Resumidamente, poderíamos atricular a neurose, psicose e perversão da seguinte maneira:

§  No caso da Psicose, a angústia é a angústia da entrega. Sua dor resultaria sempre do outro, de sua entrega ao outro (foraclusão). Essa forma de pensar é o que impede que muitos psicóticos procurem análise ou terapia.

§  Na Depressão, a angústia é a da realização. O indivíduo não consegue se sentir bom o bastante para as próprias expectativas. A melhora pessoal nunca é suficiente. Podemos dizer, para sermos mais específicos, que a angústia da depressão é a da autorrealização. Resultaria de uma ferida narcísica o sentimento de diminuição pessoal.

§  Na Histeria encontramos a angústia da permanência. O desejo do indivíduo nunca permanece – há uma mudança constante no objeto em que ele deposita sua vontade. Por isso, a angústia é a angústia de permanecer fixo em um lugar ou desejo único.

§  Na Neurose Obsessiva identifica-se o oposto do que ocorre na histeria: o desejo parece morto. A angústia seria justamente a angústia de mudar, já que o indivíduo deseja a permanência.

§  A Perversão não aparece nesse quadro assim como dificilmente aparece na análise psicanalítica. Isso porque o perverso não enxerga a angústia, ou, pelo menos, não a enxergar como advinda da perversão. Poderíamos dizer, por isso, que ele denega sua angústia.

 

Caso Clínico A.M.N. - Neurótica, Histérica, Depressiva.

A.M.N, 35 anos, chega ao consultório, apresenta sobrepeso, relata problemas de falta de atenção e memória, baixa autoestima, embotamento afetivo, desesperança, irritabilidade, falta de pertença e importância, presa ao passado, vitimização, procrastinação, dor crônica, agitação, lentificação motora, fadiga, perda de energia, sentimentos de inutilidade, de culpa, dificuldade de concentração e de tomar decisões, excesso de sono, pensamentos de morte e ideação suicida. Com diagnóstico de Depressão Severa, acompanhamento psiquiátrico e uso de medicação. A paciente faz relato de uma vida feliz no passado, de um casamento que trazia realização pela obtenção de ter ao lado a figura masculina forte, decidida, nascisista que ao mesmo tempo que a atraia e causava admiração, também lhe provocava sentimentos de repulsa e medo. Conta sentir culpa por pedir a separação, quando houve a falência da empresa da qual o ex marido era o fundador. Bem como medo de que ele possa se reerguer e ela não.

A paciente tem um filho deste relacionamento, com 15 anos, o garoto é estudioso e não apresenta nenhum tipo de problemas. Ela tem duas formações, de nível superior, trabalha mas não é realizada, nem bem sucedida. Reclama das escolhas feitas, sem tomar outros rumos, sente-se prisioneira de sua própria mente. Reconhece que precisa de alguém que a estimule para que possa produzir algo em benefício de si mesma. Migrou sua dependência e carência do ex marido, para uma amiga mais velha, a quem ela admira e nutre dependência emocional. Se coloca no lugar de vítima, para receber benefícios sem fazer esforço. Reconhece que prefere viver de migalhas emocionais mas sem esforço, no que ter de enfrentar uma quebra de paradigma para novas conquistas por si mesma. Tem medo do novo e sente crises agudas de ansiedade quando se vê diante do desconhecido.

CONCLUSÃO

A paciente em questão A.M.N., reconhece seu lugar dentro da estrutura neurótica, histérica, quando confrontada com sua limitação dentro das suas queixas, chora e se vitimiza. Numa posição infantilizada, retirando prazer na dor, uma forma de gozo masoquista. Que teme tomar decisões, se mantendo no sofrimento por não ter coragem de enfrentar a dor como causa de seus sintomas histéricos. Traz portanto uma estrutura mental neurótica, usando de mecanismo de defesa do recalque e repressão, onde impede a consciência de suas fragilidades, deixando oculto suas verdadeiras significâncias. Traz traços de perversão, mesmo não tendo esta estrutura mental. Quando se vitimiza, manipula o afeto do outro pelo culpa que tenta provocar. Obtendo êxito, recebe ajuda de forma imediata, com um ganho primário que oculta as perdas secundárias de médio e longo prazo. Perdas essas representadas pela eterna repetição de sua aparição no mundo. Vista como figura infantilizada, imatura, incompetente, exigente, solicitante e urgente em suas demandas. Admira pessoas de comportamento oposto ao seu e sente-se atraídas por elas. Mas a falta do retorno do investimento afetivo em “si mesma”, a impede de alcançar esse lugar que ela almeja. A figura masculina ganha contorno de “pai salvador”. Ela deseja de forma inconsciente ser resgatada da “torre do seu castelo mental”, para que assim livre de si mesma, possa viver a prisão dos afetos externos por submissão e manipulação oculta (vitimização/culpa). Nega em si potencial de mudança, pela falta de autoconhecimento, disciplina e projeta no outro a responsabilidade de lhe retirar do lugar do sofrimento, creditando a esse outro poder e competência.

Chega-se a conclusão que nos diagnósticos de depressão severa, encontra-se traços de de perversão, na manipulação do outro, pela utilização da vitimização, lançando no outro a responsabilidade de retirar do lugar do sofrimento a pessoa portadora do transtorno, com a ilusão de ser o “salvador”. Em alguns casos, quem se coloca na posição recorrente de vítima, pode ser o grande vilão da história. A fantasia do ganho imediato e primário, esconde a verdade das perda secundária e de médio e longo prazo.

REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS

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Bauman, Z. (1998). O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro, RJ: Jorge Zahar. [links]

Bergeret. J., Bécache, A., Boulanger, J.-J., Chartier, J.-P., Dubor, P., Houser, M., & Lustin, J.-J. (2006). Psicopatologia: teoria e clínica. 9. ed. Porto Alegre, RS: Artmed. [Links]

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Berlinck, M. T., & Fédida, P. (2000). A clínica da depressão: questões atuais.  Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 3(2), 9-25. [Links]

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Birman, J. (2006). A psicanálise e a crítica da modernidade. In J. Birman, Arquivos do mal-estar e da resistência (pp. 33-56). Rio de Janeiro, RJ: Civilização Brasileira. [Links].

Bogochovol, A. (2001). Sobre a psicofarmacologia. In: M. C. R.

 



[1] Psicóloga Clínica CRP 12/20078 SC

Mestre em Psicanálise, Neuropsicóloga, Psicanalista Clínica- Reg. 70.11k- (Sociedade Brasileira de Psicanálise).

Extensão em Psiquiatria para Dependência Química.

Perita Judicial em Psicologia

Psicóloga Bariátrica

Psicóloga Hospitalar

Psicóloga do Desenvolvimento Vital

Formação em Neurociências e Comportamento

Formação em Perícia em Serviço Social e Psicologia

 

[2] PhD, neurocientista, mestre psicanalista, biólogo, historiador, antropólogo, com formações também em neuropsicologia, neurolinguística, neuroplasticidade, inteligência artificial, neurociência aplicada à aprendizagem, filosofia, jornalismo, programação em python e formação profissional em nutrição clínica - Diretor do Centro de Pesquisas e Análises Heráclito; Chefe do Departamento de Ciências e Tecnologia da Logos University International, UniLogos; Membro da SFN - Society for Neuroscience, Membro da Mensa International, Intertel e Triple Nine Society, sociedades de pessoas de alto QI.