La Prosa Pol�tica de Gabriela Mistral como Literatura Contra-hegem�nica

 

Gabriel Arturo Far�as Rojas[1]

[email protected]

Universidad Adolfo Ib��ez (Chile)

Chile

 

M�rcio Leonel Farias Reis P�scoa

[email protected]

Universidade do Estado do Amazonas (Brasil)

 

Miriam Elizabeth Cid Uribe

[email protected]

Universidad de Santiago de Chile

 

 

 

RESUMEN

En el contexto del reconocimiento de Gabriela Mistral como la primer Premio Nobel de Literatura en Am�rica Latina, a�n existe falta de reconocimiento de su obra literaria. Esto puede parecer extra�o, y hasta incre�ble, pero de todas formas ocurre debido a que s�lo parte de su obra, esto es su obra po�tica, es considerada y respetada por la cr�tica literaria. La segunda, su prosa, s�lo es aceptada en la medida en que ella es similar a una prosa po�tica.� En esta situaci�n, su prosa pol�tica, que es mayoritaria dentro de la obra en prosa por ella escrita s�lo es reconocida en el mundo del silencio. Sin embargo, esa censura es contradictoria seg�n el hecho por el cual la autora recibi� el Premio Nobel de Literatura. As�, aunque hayan personas en el mundo literario que puedan esconder la naturaleza can�nica de la prosa pol�tica, ella siempre va a emerger en las discusiones contempor�neas sobre la importancia de la subjetividad mistraliana, la cual, a pesar de los esfuerzos de algunos por esconder ese canon literario, conferir� a su prosa, y especialmente a su prosa pol�tica, el car�cter de literatura contra-hegem�nica.

 

Palabras clave: Gabriela Mistral; Prosa Pol�tica; Premio Nobel de Literatura; Literatura Contra-hegem�nica


 

Gabriela Mistral's Political Prose as Counter-hegemonic Literature

 

ABSTRACT

In the advent of the recognition of Gabriela Mistral as the first Nobel Prize in Literature in Latin America, there is still a lack of recognition of her literary work. This may seem strange, and even incredible, but it still happens because only part of her work, i.e. her poetry, is deemed good enough by literary critics. Secondly, her prose is only accepted inasmuch as it is poetic prose. In this situation, her political prose, which is most of the prose work written by her, is only acknowledged in the realm of silence. However, this censorship is contradictory if the reason behind her Nobel Prize for Literature is taken into account, i.e. her written prose contribution in several magazines round the world. Thus, in this context,� although there are people in the literary world who can hide the canonical nature of political prose, it will always emerge in contemporary discussions about the importance of Mistral�s subjectivity, which, despite the efforts of some to hide that literary canon, will give her prose, and especially her political prose, the quality of counter-hegemony literature.

 

Keywords: Gabriela Mistral; Political Prose; Nobel Prize in Literature; Counter-hegemony Literature


 

A Prosa Pol�tica de Gabriela Mistral como Literatura Contra-hegem�nica

 

No contexto do reconhecimento de Gabriela Mistral como o primeiro Pr�mio Nobel de Literatura na Am�rica Latina, ainda h� falta de reconhecimento a sua obra liter�ria. Isto pode parecer estranho, at� incr�vel, mas mesmo assim acontece devido a que s� parte de sua obra, isto � a po�tica, � considerada e respeitada pela cr�tica liter�ria. A segunda, a sua prosa, s� � aceita na medida em que ela � mais similar a uma prosa po�tica. Nessa situa��o, a sua prosa pol�tica, a maiorit�ria dentro da obra em prosa escrita por ela � reconhecida no mundo do silencio. Por�m, essa censura � contradit�ria segundo o fato pelo qual a autora recebeu o Pr�mio Nobel de Literatura. Assim, embora h� pessoas no mundo liter�rio que possam esconder a natureza can�nica da prosa pol�tica, ela vai sempre emergir nas discuss�es contempor�neas sobre a import�ncia da subjetividade mistraliana, a qual, a pesar dos esfor�os de alguns para esconder esse c�none liter�rio, conferir� � sua prosa, e especialmente � sua prosa pol�tica, o car�ter de literatura contra hegem�nica.

 

Palavras chave: Gabriela Mistral; Prosa Pol�tica;� Pr�mio Nobel de Literatura;� Literatura contra hegem�nica

 


 

INTRODU��O: IMPORT�NCIA DA PROSA DE GABRIELA MISTRA

Antes de mais, � preciso come�ar dizendo que Gabriela Mistral (1889 � 1957) � uma das refer�ncias mais importantes da Literatura de nosso continente americano. Foi lhe outorgado o Pr�mio Nobel de Literatura em 1945, e assim ela se converteu n�o s� na primeira mulher sen�o tamb�m na primeira pessoa em receber tal distin��o de honra em Iberoam�rica. Se poderia expressar que isso � motivo suficiente para que a sua prosa seja tanto aceite quanto reconhecida como uma produ��o liter�ria importante da autora. Mas, desafortunadamente, n�o tem sido assim. O motivo para essa falta de reconhecimento de sua prosa era o car�ter pol�tico de grande parte da prosa da autora, o qual estava em oposi��o,

� imagem solene e monol�tica da poeta num momento em que a hist�ria oficial entregava uma Mistral mestra antes de mais, santificada, sempre repetindo os mesmos versos, numa atitude de entrega maternal e de sacrif�cio �s crian�as, ao Chile, imagem multiplicada no perfil hier�tico das notas de cinco mil pesos. (Cabello Hutt, 2015, p. 16)

 

Assim, essa Mistral santa que foi inventada como uma narrativa �nica pela cr�tica liter�ria, segundo o Gr�nor Rojo (Pizarro, 2005), devido ao fato dela ser uma poeta, antes de tudo n�o aceita uma Mistral que, na prosa, consiga falar a sua voz sem se importar com os interesses de uma imagem que seja aceite pelos cr�ticos de um pa�s, neste caso o Chile. Por causa disso, as viagens da Mistral n�o receberam muitos coment�rios durante um longo tempo porque eles iriam justificar a import�ncia da prosa da escritora; eles at� foram considerados pela cr�tica como passeios sem nenhuma rela��o com a atividade da escrita mistraliana (Quezada, 2014).

A voz pr�pria e aut�noma de Gabriela Mistral era t�o evidente na sua prosa que no mesmo discurso ao momento de receber o Pr�mio Nobel de Literatura, vai se apresentar como a voz indireta das ilustres l�nguas espanhola e portuguesa. Assim, ela se afastar� de um republicanismo nacionalista e se concentrar� numa miss�o pela uni�o das comunidades hispano-americanas e brasileira dentro de uma Am�rica n�o s� Hispana ou de uma Am�rica Latina mais hispana do que portuguesa, sen�o que ela abra�ar� uma Am�rica Ib�rica al�m das diferen�as lingu�sticas. Essa uni�o tem uma origem na identidade da mesti�agem que a Mistral acredita que compartilha com a grande parte da popula��o da Am�rica Latina, isto �, uma mesti�agem com uma origem no car�ter ind�gena que faz as pessoas terem uma qualidade em comum (de la Cadena & Starn, 2009).

Tamb�m, essa consci�ncia ibero-americana expande-se logo ao mundo inteiro. Desde a� que a Mistral converte-se numa voz mundial pela paz. A sua prosa defende uma paz como uma postura inovadora desde um pacifismo que op�e-se �s guerras que acontecem no mundo no s�culo XX. E essa prosa mistraliana pol�tico-pacifista recebe elogios at� de Pablo Neruda. Ele diz sobre a Mistral que �ningu�m tem esquecido a sua �palavra maldita� Voc� � uma comovedora defensora da paz. Por essas e outros motivos, n�s lhe amamos.� (Neruda, 2008, p. 387).

Devido ao anteriormente expressado, seria impens�vel justificar uma pesquisa de Gabriela Mistral como autora s� desde seu trabalho como poeta. Embora os quatro livros publicados por ela durante a sua vida � Desola��o, Ternura, Tala, e Lagar respectivamente� e o livro p�stumo chamado Poema do Chile possam dar conta de uma escrita po�tica representativa de uma autora merecedora do Pr�mio Nobel de Literatura, � pelo menos preciso entender a natureza da sua prosa para compreender o porqu� de sua censura dentro do imagin�rio mistraliano no Chile e o motivo pelo qual foi lhe negado o Pr�mio Nacional de Literatura antes de ela receber o Nobel de Literatura. S� ap�s Mistral receber o Pr�mio Nobel de Literatura, foi-lhe concedido o Pr�mio Nacional em 1951. Por causa disto, � preciso analisar a contram�o a prosa Mistraliana para lhe devolver a natureza liter�ria que lhe foi negada e o poder contra-hegem�nico que est� contido dentro de seu car�ter pol�tico.

Prosa Pol�tica n�o ficcional como Literatura contra-hegem�nica

A considera��o da prosa pol�tica de Gabriela Mistral como literatura embora n�o seja escritura ficcional vai ser justificada desde diferentes perspectivas. Em primeiro lugar, gostar�amos de citar em extenso as teses da est�tica marxista apresentadas por Herbert Marcuse (2007, pag. 14):

1)�������� Existe uma rela��o definida entre a arte e a base material, entre a arte e a totalidade das rela��es de produ��o. Com a modifica��o das rela��es de produ��o, a pr�pria arte transforma-se como parte da superestrutura, embora, tal como outras formas da ideologia, possa ficar para tr�s ou antecipar a mudan�a social.

2)�������� H� uma conex�o definida entre arte e classe social. A �nica aut�ntica, verdadeira e progressista, � a arte de uma classe em ascens�o, que exprime a tomada de consci�ncia desta classe.

3)�������� Consequentemente, o pol�tico e o est�tico, o conte�do revolucion�rio e a qualidade art�stica tendem a coincidir.

4)�������� O escritor tem a obriga��o de articular e exprimir os interesses e as necessidades da classe em ascens�o. (No capitalismo, esta seria o proletariado).

5)�������� A classe dominante ou os seus representantes s� podem produzir uma arte.

6)�������� O realismo (em v�rios sentidos) � considerado a forma de arte que corresponde mais convenientemente �s rela��es sociais, constituindo assim a forma de arte.

Para justificar o car�ter liter�rio da prosa pol�tica mistraliana desde o ponto de vista de estas seis teses da est�tica marxista marcuseana, vamos nos referir ao ensaio de Gabriela Mistral intitulado �A organiza��o das mulheres�. Esse texto foi compilado por Diego del Pozo no livro Por la Humanidad Futura (2015), o qual � uma Antologia Pol�tica da Primeiro Pr�mio Nobel de Literatura em Iberoam�rica. Esse texto, originalmente publicado como artigo period�stico para o jornal El Mercurio em 1925, � consequente com as teses acima referidas. A autora, na sua recrimina��o ao feminismo no Chile no come�o do s�culo XX, faz uma defesa das pessoas trabalhadoras atrav�s de um meio de comunica��o massiva. Ela mesma � uma escritora e poeta que se originou no setor rural provincial e reconhecida como a grande autora campesina da nossa Am�rica Ib�rica e Latina. A sua escrita � realista e mostra parte da realidade social do Chile da �poca em que ela escreve. Tamb�m coloca o seu talento na escrita ao servi�o dos trabalhadores e, em especial, da das trabalhadoras (isto �, mulheres) no artigo anteriormente mencionado. Ent�o, essa pequena intromiss�o na superestrutura dominante tem um compromisso pol�tico com a emancipa��o social das pessoas trabalhadoras pobres, o grupo social que ela estava representando nesse artigo e em tantos outros artigos que ela escreveu ao longo da sua vida.

Por�m, seria n�o s� injusto sen�o tamb�m incompleto tentar justificar a natureza liter�ria da prosa pol�tica n�o ficcional de Mistral desde apenas as teses descritas e justificadas conforme a escrita da autora foi analisada. O pr�prio Marcuse (2007) fala da import�ncia da subjetividade na literatura porque isso seria em grande parte a justificativa para uma obra de arte liter�ria de ser considerada como tal. As palavras do autor s�o esclarecedoras (2007, p�g. 15) ao falar que �A subjetividade tronou-se um �tomo da objetividade; mesmo na sua forma rebelde, rendeu-se e tornou-se um �rg�o executivo.� E adiciona imediatamente depois (2007, p�g. 15) que,

 

A componente determinista da teoria marxista n�o reside no seu conceito de rela��o entre exist�ncia social e consci�ncia, mas no conceito reducionista de consci�ncia que p�e entre par�ntesis o conte�do espec�fico da consci�ncia individual e, assim, descura o potencial revolucion�rio contido na pr�pria subjetividade.

� por causa desse cientificismo exacerbado da teoria marxista que seria insuficiente dizer que a escrita liter�ria realista d� conta de uma realidade porque nessa realidade tamb�m h� uma subjetividade cuja consci�ncia individual projeta uma vers�o pr�pria da realidade descrita e uma postura individual a essa realidade, uma postura n�o s� objetiva sen�o tamb�m com as qualidades psicol�gicas de uma pessoa que expressa fatos, sentimentos, emo��es, etc.

A escrita de Gabriela Mistral n�o vai fugir dessa subjetividade. Pelo contr�rio. Pedro Luis Barcia (2010) faz uma interessante analogia da autora com Michel de Montaigne, que a inspirou fortemente ao estabelecer (2010, p�g. XCI) que ambos tem �uma atitude egotista� em seus escritos e que �Gabriela fala desde si mesma e sobre si mesma� e �que nunca renega da sua subjetividade.� Mistral tinha uma tend�ncia a contar hist�rias ainda nos seus textos n�o ficcionais onde ela era uma personagem importante daquilo sobre aquilo que escrevia. Portanto, essa falta de objetividade que seria a desvantagem, se analisarmos a prosa pol�tica mistraliana apenas desde as teorias marxistas tradicionais, tem uma longa hist�ria. J� ao final da d�cada de 70, Luis Vargas Saavedra (1978, p�g. 25) disse que Gabriela �N�o se pode nunca descrever cientificamente, com a objetividade sensorial de uma Colette ou de uma Virginia Woolf.� Mistral n�o s� tinha uma preocupa��o social desde uma posi��o pol�tica objetiva, ela tamb�m tinha uma postura pr�pria em que podia haver contradi��es que s� mais tarde seriam entendidas pela cr�tica. Por exemplo, em �Feminismo: uma nova organiza��o do trabalho� (Del Pozo, 2015), Mistral critica fortemente o feminismo igualit�rio porque, na l�gica da igualdade entre homens e mulheres, a mulher ia perder os poucos benef�cios que tinha e ia acabar sendo sujeita a uma l�gica injusta de precariza��o de trabalho, pelo qual, al�m das injusti�as de g�nero, agora sofreria injusti�as que o homem trabalhador j� estava sofrendo. Ent�o, a prec�ria situa��o da mulher s� ia se acrescentar com um feminismo igualit�rio que concebia a luta pela emancipa��o social como uma luta totalizada sem se importar com os detalhes de essa emancipa��o e as consequ�ncias de estrat�gias mal planejadas e desse jeito levadas � pr�tica. Essa cr�tica ao feminismo de sua �poca s� teria apoio nos feminismos p�s-coloniais que entenderiam a luta feminista al�m das lutas de classes sociais somente.

A prosa pol�tica de Gabriela Mistral � sem d�vida nenhuma uma parte fundamental da produ��o liter�ria da autora. Embora a prosa, e, principalmente, a prosa pol�tica, tenha uma escassa difus�o, a sua import�ncia � not�vel porque gra�as a ela Gabriela Mistral conseguiu ser uma figura conhecida e reconhecida em Iberoam�rica, e at� no mundo inteiro. Pedro Luis Barcia faz men��o ao papel da prosa no fato dela ganhar o Pr�mio Nobel de Literatura em 1945. Citando as pr�prias palavras da Academia Sueca (Barcia, 2010, p�g. LXXIII) as quais dizem que Gabriela Mistral �tem feito de seu nome um s�mbolo das aspira��es idealistas de todo o mundo latino-americano� (e isso com certeza inclui o Brasil j� que a autora passou um per�odo fundamental da sua vida em Petr�polis, no Rio de Janeiro, e recebeu a not�cia do Nobel quando morava l�), o autor deixa claro que esse m�rito latino e ibero americano n�o � por causa de sua poesia, sen�o que � devido a sua prosa na qual conseguiu representar essa uni�o de comunidades americanas, miss�o que come�ou na sua primeira viagem fora do pa�s quando foi convidada por Jos� Vasconcellos para participar na Reforma Educacional do M�xico Revolucion�rio em 1922. Ent�o, se poderia afirmar que ter ganhado o Pr�mio Nobel de Literatura fez Gabriela Mistral se converter numa figura can�nica da literatura Ibero-americana e mundial, e que a sua prosa foi considerada com um dos motivos principais pelo qual o Nobel foi outorgado a ela, o que inclui a sua prosa pol�tica a se tornar um tipo de c�none liter�rio al�m de sua poesia.

Mas, por que a prosa de Mistral n�o tem tido a difus�o pr�pria de um c�none que a poesia com certeza tem gozado? De novo, com certeza, o car�ter pol�tico de grande parte da sua prosa n�o se encontra dentro de um conceito r�gido e dominante de c�none. Quanto mais contestador � o c�none, menos can�nico ele �. Por um lado, o Nobel permite conferir valor can�nico liter�rio da prosa �e da prosa pol�tica, mas por outra � melhor deixar para tr�s essa justificativa para se enfocar mais na poesia porque essa seria uma forma mais tradicional de fundamentar o Nobel como c�none.

Para compreender em profundidade esta situa��o, gostaria de citar Boaventura de Sousa Santos, na sua defini��o de c�none (2010, p�g. 71). �Entende-se por c�none liter�rio na cultura ocidental o conjunto de obras liter�rias que, num determinado momento hist�rico, os intelectuais e as institui��es dominantes ou hegem�nicos consideram ser os mais representativos e os de maior valor e autoridade numa dada cultura oficial.� Aqui manifesta-se uma tens�o entre uma fala intelectual e o poder de um setor hegem�nico. Desde a� que seja poss�vel interpretar que a prosa tenha um maior valor para os intelectuais e institui��es que advogam pela uni�o internacional das diferentes comunidades, enquanto a sua poesia seja mais valorizada pelas autoridades de uma dada cultura oficial local. No Chile, por exemplo, a poesia era mais adequada para fazer a autora coincidir com um perfil cultural, republicano tradicional e unificador que considerava a mulher importante y necess�ria como m�e e educadora. Assim, a poeta e escritora foi cristalizada como a m�e e educadora do Chile.

Para refor�ar ainda mais o anteriormente exposto, Boaventura Sousa Santos (2010, p. 71), mostra o funcionamento do c�none liter�rio evidente ao dizer que �No c�none liter�rio, funcionam os c�digos barrocos de mesti�agem por sub-exposi��o: as obras escolhidas para integrar o c�none s�o aquelas que deixam de estar expostas � l�gica das op��es e passam a ser base ou raiz do campo liter�rio.� Daqui pode-se deduzir que ambas a poesia e prosa foram originalmente escolhidas para o Nobel, mas depois aconteceu uma segunda sele��o pela impossibilidade da prosa pol�tica de ser parte de uma raiz devido � sua continua releitura � luz dos acontecimentos pol�ticos mundiais. Nessa postura, os textos feministas contradit�rios mistralianos s�o ainda muito contingentes nos feminismos p�s-coloniais e ainda tomados pelos movimentos feministas dos bairros.

Por�m, a escolha inicial da prosa mistraliana pelo Pr�mio Nobel foi feita e embora a prosa pol�tica de Mistral tenha sofrido censura � principalmente no Chile-, a prosa, especialmente a pol�tica, continua sendo um c�none. Um c�none n�o aceite pelos grupos hegem�nicos da cr�tica tradicional, mas um c�none contra-hegem�nico. A� est�, foi reconhecido e logo, devida a sua pot�ncia pol�tica continua ao longo do tempo, foi censurada. Mas, � preciso deixar claro a sua qualidade e import�ncia. Pedro Luis Barcia (2010), fala da valora��o da sua prosa ao se referir a diferentes personalidades de respeito no mundo da cr�tica liter�ria. Ele diz o seguinte (2010, p�g. IXXII):

Do mestre Luis Alberto S�nchez, quem predicou, durante anos, que a prosa da autora �era aquela obra menos conhecida, era uma verdadeira joia�; do Guillermo de Torre (�A prosa de Gabriela Mistral possui quilates t�o subidos ou superiores aos de seu verso; ainda, nela expressa-se de um jeito mais rico e direito o seu acento t�o personal, a sua fala pr�pria�), do Enrique Anderson Imbert, Hern�n D�az Casanueva, e assim. � memor�vel a homenagem feita por V�ctor Andr�s Belsunce, no seio da assembleia da ONU, quem, logo de ele saber sobre a morte da escritora, manifestou: �T�o bela foi a sua prosa como a sua obra po�tica. Poderia se dizer dela aquilo que se afirmou sobre Val�ry: que se a sua poesia era de ouro, a sua prosa foi de diamante.�

Isto n�o se expressa s� como um capricho de opini�o. Na verdade, a prosa mistraliana n�o � s� rica em conte�do e car�ter est�tico sen�o tamb�m � muito extensa. No ano da publica��o do texto de Barcia, 2010, ele afirmava que mesmo ainda mal conhecida uma boa quantidade de prosa, atualmente, ap�s um processo de ordenamento e sele��o de material tem se dado a conhecer ao redor do mundo mais de 5000 p�ginas.

No Chile, Diego del Pozo, consciente da grave situa��o nacional em que se encontrava a prosa pol�tica, decidiu empreender uma pesquisa da obra pol�tica de Gabriela Mistral e ap�s disso fez uma sele��o para logo publicar um livro chamado Por La Humanidad Futura (2015), a qual � uma Antologia Pol�tica da autora. � a primeira obra desse tipo que n�o esconde o sobrenome pol�tico para assim deixar evidente que a natureza pol�tica de Mistral foi fundamental na sua produ��o liter�ria, na liberdade pol�tica n�o militante, e na sua preocupa��o pela uni�o das comunidades ibero-americanas al�m das diferen�as geogr�ficas e lingu�sticas. Tamb�m, essa prosa pol�tica atuando como c�none liter�rio contra-hegem�nico, junto com a suas caracter�sticas est�ticas pr�prias e ineg�veis que a constituem como arte liter�rio, s�o, ao mesmo tempo, uma defesa das pessoas trabalhadoras e da emancipa��o social delas. Assim, esse trabalho de edi��o pioneiro no Chile e no mundo inteiro sobre a autora feito por Del Pozo � um ressurgimento de esse c�none liter�rio em prosa, o qual, em vista das dificuldades de aceita��o pela classe hegem�nica, tem que agir como uma literatura contra-hegem�nica, que ir� negar essa escolha determinista do valor liter�rio de Gabriela Mistral.

CONSIDERA��ES FINAIS

Pelo acima exposto, resulta interessante que ainda na prosa n�o ficcional, o que inclui esses recados mistralianos compilados por Diego del Pozo como parte do material pol�tico produzido pela autora, � poss�vel encontrar uma literatura n�o tradicional, politico-contestadora que estabelece uma tens�o entre o realismo e a subjetividade dentro da narrativa em prosa. Tudo aquilo � feito sem descuidar a beleza da estrutura escritural da prosa. A respeito de isto �ltimo, Vargas Saavedra (1978, p�g. 21) diz que em muita da sua prosa �Gabriela n�o estava preocupada em fazer literatura � o que ela, em um caderno de 1944, chama �a arte pura�- ; por�m, ainda nas cartas e nas ora��es privadas (a Yin), o seu estilo mantem a beleza habitual, tanto dos conceitos como da express�o.� Assim, e tomando em considera��o que at� nas cartas ao seu filho ela escrevia literariamente, Lucila Godoy Alcayaga, a pessoa tr�s Gabriela Mistral, simplesmente vivia a Mistral o tempo tudo, isto �, ela sempre escrevia de um jeito liter�rio. Da� que sua prosa e especificamente a sua prosa pol�tica ainda tiveram uma natureza est�tica que permite a n�s qualific�-la de literatura, mas n�o qualquer literatura, sen�o uma literatura inc�moda, uma literatura que foge da tradi��o e das imposi��es deterministas para uma estabilidade do c�none.

REFER�NCIAS BIBLIOGR�FICAS

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Marcuse, Herbert. A Dimens�o Est�tica. Edi��es 70, 2007.

Neruda, Pablo. Confieso que he vidido. Pehu�n Editores, 2008.

Pizarro, Ana. Gabriela Mistral. El proyecto de Lucila. LOM Ediciones, 2005.

Quezada, Jaime. Gabriela Mistral: Antolog�a de Poes�a y Prosa. Fondo de Cultura Econ�mica, 2014.

Santos, Boaventura de Sousa. A Gram�tica do Tempo: para uma nova cultura pol�tica. Cortez Editora, 2010.

Vargas Saavedra, Luis. Introducci�n. In: Mistral, Gabriela. Prosa Religiosa de Gabriela Mistral, Luis Vargas Saavedra (comp. e ed.). Editorial Andr�s Bello, 1978.



[1] Autor Principal