La Prosa Política de Gabriela Mistral como Literatura Contra-hegemónica

 

Gabriel Arturo Farías Rojas[1]

prof.gfariasrojas@gmail.com

Universidad Adolfo Ibáñez (Chile)

Chile

 

Márcio Leonel Farias Reis Páscoa

marciopascoa@gmail.com

Universidade do Estado do Amazonas (Brasil)

 

Miriam Elizabeth Cid Uribe

miriam.cid.u@usach.cl

Universidad de Santiago de Chile

 

 

 

RESUMEN

En el contexto del reconocimiento de Gabriela Mistral como la primer Premio Nobel de Literatura en América Latina, aún existe falta de reconocimiento de su obra literaria. Esto puede parecer extraño, y hasta increíble, pero de todas formas ocurre debido a que sólo parte de su obra, esto es su obra poética, es considerada y respetada por la crítica literaria. La segunda, su prosa, sólo es aceptada en la medida en que ella es similar a una prosa poética.  En esta situación, su prosa política, que es mayoritaria dentro de la obra en prosa por ella escrita sólo es reconocida en el mundo del silencio. Sin embargo, esa censura es contradictoria según el hecho por el cual la autora recibió el Premio Nobel de Literatura. Así, aunque hayan personas en el mundo literario que puedan esconder la naturaleza canónica de la prosa política, ella siempre va a emerger en las discusiones contemporáneas sobre la importancia de la subjetividad mistraliana, la cual, a pesar de los esfuerzos de algunos por esconder ese canon literario, conferirá a su prosa, y especialmente a su prosa política, el carácter de literatura contra-hegemónica.

 

Palabras clave: Gabriela Mistral; Prosa Política; Premio Nobel de Literatura; Literatura Contra-hegemónica


 

Gabriela Mistral's Political Prose as Counter-hegemonic Literature

 

ABSTRACT

In the advent of the recognition of Gabriela Mistral as the first Nobel Prize in Literature in Latin America, there is still a lack of recognition of her literary work. This may seem strange, and even incredible, but it still happens because only part of her work, i.e. her poetry, is deemed good enough by literary critics. Secondly, her prose is only accepted inasmuch as it is poetic prose. In this situation, her political prose, which is most of the prose work written by her, is only acknowledged in the realm of silence. However, this censorship is contradictory if the reason behind her Nobel Prize for Literature is taken into account, i.e. her written prose contribution in several magazines round the world. Thus, in this context,  although there are people in the literary world who can hide the canonical nature of political prose, it will always emerge in contemporary discussions about the importance of Mistral’s subjectivity, which, despite the efforts of some to hide that literary canon, will give her prose, and especially her political prose, the quality of counter-hegemony literature.

 

Keywords: Gabriela Mistral; Political Prose; Nobel Prize in Literature; Counter-hegemony Literature


 

A Prosa Política de Gabriela Mistral como Literatura Contra-hegemônica

 

No contexto do reconhecimento de Gabriela Mistral como o primeiro Prêmio Nobel de Literatura na América Latina, ainda há falta de reconhecimento a sua obra literária. Isto pode parecer estranho, até incrível, mas mesmo assim acontece devido a que só parte de sua obra, isto é a poética, é considerada e respeitada pela crítica literária. A segunda, a sua prosa, só é aceita na medida em que ela é mais similar a uma prosa poética. Nessa situação, a sua prosa política, a maioritária dentro da obra em prosa escrita por ela é reconhecida no mundo do silencio. Porém, essa censura é contraditória segundo o fato pelo qual a autora recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Assim, embora há pessoas no mundo literário que possam esconder a natureza canônica da prosa política, ela vai sempre emergir nas discussões contemporâneas sobre a importância da subjetividade mistraliana, a qual, a pesar dos esforços de alguns para esconder esse cânone literário, conferirá à sua prosa, e especialmente à sua prosa política, o caráter de literatura contra hegemônica.

 

Palavras chave: Gabriela Mistral; Prosa Política;  Prêmio Nobel de Literatura;  Literatura contra hegemônica

 


 

INTRODUÇÃO: IMPORTÂNCIA DA PROSA DE GABRIELA MISTRA

Antes de mais, é preciso começar dizendo que Gabriela Mistral (1889 – 1957) é uma das referências mais importantes da Literatura de nosso continente americano. Foi lhe outorgado o Prêmio Nobel de Literatura em 1945, e assim ela se converteu não só na primeira mulher senão também na primeira pessoa em receber tal distinção de honra em Iberoamérica. Se poderia expressar que isso é motivo suficiente para que a sua prosa seja tanto aceite quanto reconhecida como uma produção literária importante da autora. Mas, desafortunadamente, não tem sido assim. O motivo para essa falta de reconhecimento de sua prosa era o caráter político de grande parte da prosa da autora, o qual estava em oposição,

à imagem solene e monolítica da poeta num momento em que a história oficial entregava uma Mistral mestra antes de mais, santificada, sempre repetindo os mesmos versos, numa atitude de entrega maternal e de sacrifício às crianças, ao Chile, imagem multiplicada no perfil hierático das notas de cinco mil pesos. (Cabello Hutt, 2015, p. 16)

 

Assim, essa Mistral santa que foi inventada como uma narrativa única pela crítica literária, segundo o Grínor Rojo (Pizarro, 2005), devido ao fato dela ser uma poeta, antes de tudo não aceita uma Mistral que, na prosa, consiga falar a sua voz sem se importar com os interesses de uma imagem que seja aceite pelos críticos de um país, neste caso o Chile. Por causa disso, as viagens da Mistral não receberam muitos comentários durante um longo tempo porque eles iriam justificar a importância da prosa da escritora; eles até foram considerados pela crítica como passeios sem nenhuma relação com a atividade da escrita mistraliana (Quezada, 2014).

A voz própria e autônoma de Gabriela Mistral era tão evidente na sua prosa que no mesmo discurso ao momento de receber o Prêmio Nobel de Literatura, vai se apresentar como a voz indireta das ilustres línguas espanhola e portuguesa. Assim, ela se afastará de um republicanismo nacionalista e se concentrará numa missão pela união das comunidades hispano-americanas e brasileira dentro de uma América não só Hispana ou de uma América Latina mais hispana do que portuguesa, senão que ela abraçará uma América Ibérica além das diferenças linguísticas. Essa união tem uma origem na identidade da mestiçagem que a Mistral acredita que compartilha com a grande parte da população da América Latina, isto é, uma mestiçagem com uma origem no caráter indígena que faz as pessoas terem uma qualidade em comum (de la Cadena & Starn, 2009).

Também, essa consciência ibero-americana expande-se logo ao mundo inteiro. Desde aí que a Mistral converte-se numa voz mundial pela paz. A sua prosa defende uma paz como uma postura inovadora desde um pacifismo que opõe-se às guerras que acontecem no mundo no século XX. E essa prosa mistraliana político-pacifista recebe elogios até de Pablo Neruda. Ele diz sobre a Mistral que “ninguém tem esquecido a sua ‘palavra maldita’ Você é uma comovedora defensora da paz. Por essas e outros motivos, nós lhe amamos.” (Neruda, 2008, p. 387).

Devido ao anteriormente expressado, seria impensável justificar uma pesquisa de Gabriela Mistral como autora só desde seu trabalho como poeta. Embora os quatro livros publicados por ela durante a sua vida – Desolação, Ternura, Tala, e Lagar respectivamente– e o livro póstumo chamado Poema do Chile possam dar conta de uma escrita poética representativa de uma autora merecedora do Prêmio Nobel de Literatura, é pelo menos preciso entender a natureza da sua prosa para compreender o porquê de sua censura dentro do imaginário mistraliano no Chile e o motivo pelo qual foi lhe negado o Prêmio Nacional de Literatura antes de ela receber o Nobel de Literatura. Só após Mistral receber o Prêmio Nobel de Literatura, foi-lhe concedido o Prêmio Nacional em 1951. Por causa disto, é preciso analisar a contramão a prosa Mistraliana para lhe devolver a natureza literária que lhe foi negada e o poder contra-hegemônico que está contido dentro de seu caráter político.

Prosa Política não ficcional como Literatura contra-hegemônica

A consideração da prosa política de Gabriela Mistral como literatura embora não seja escritura ficcional vai ser justificada desde diferentes perspectivas. Em primeiro lugar, gostaríamos de citar em extenso as teses da estética marxista apresentadas por Herbert Marcuse (2007, pag. 14):

1)         Existe uma relação definida entre a arte e a base material, entre a arte e a totalidade das relações de produção. Com a modificação das relações de produção, a própria arte transforma-se como parte da superestrutura, embora, tal como outras formas da ideologia, possa ficar para trás ou antecipar a mudança social.

2)         Há uma conexão definida entre arte e classe social. A única autêntica, verdadeira e progressista, é a arte de uma classe em ascensão, que exprime a tomada de consciência desta classe.

3)         Consequentemente, o político e o estético, o conteúdo revolucionário e a qualidade artística tendem a coincidir.

4)         O escritor tem a obrigação de articular e exprimir os interesses e as necessidades da classe em ascensão. (No capitalismo, esta seria o proletariado).

5)         A classe dominante ou os seus representantes só podem produzir uma arte.

6)         O realismo (em vários sentidos) é considerado a forma de arte que corresponde mais convenientemente às relações sociais, constituindo assim a forma de arte.

Para justificar o caráter literário da prosa política mistraliana desde o ponto de vista de estas seis teses da estética marxista marcuseana, vamos nos referir ao ensaio de Gabriela Mistral intitulado “A organização das mulheres”. Esse texto foi compilado por Diego del Pozo no livro Por la Humanidad Futura (2015), o qual é uma Antologia Política da Primeiro Prêmio Nobel de Literatura em Iberoamérica. Esse texto, originalmente publicado como artigo periodístico para o jornal El Mercurio em 1925, é consequente com as teses acima referidas. A autora, na sua recriminação ao feminismo no Chile no começo do século XX, faz uma defesa das pessoas trabalhadoras através de um meio de comunicação massiva. Ela mesma é uma escritora e poeta que se originou no setor rural provincial e reconhecida como a grande autora campesina da nossa América Ibérica e Latina. A sua escrita é realista e mostra parte da realidade social do Chile da época em que ela escreve. Também coloca o seu talento na escrita ao serviço dos trabalhadores e, em especial, da das trabalhadoras (isto é, mulheres) no artigo anteriormente mencionado. Então, essa pequena intromissão na superestrutura dominante tem um compromisso político com a emancipação social das pessoas trabalhadoras pobres, o grupo social que ela estava representando nesse artigo e em tantos outros artigos que ela escreveu ao longo da sua vida.

Porém, seria não só injusto senão também incompleto tentar justificar a natureza literária da prosa política não ficcional de Mistral desde apenas as teses descritas e justificadas conforme a escrita da autora foi analisada. O próprio Marcuse (2007) fala da importância da subjetividade na literatura porque isso seria em grande parte a justificativa para uma obra de arte literária de ser considerada como tal. As palavras do autor são esclarecedoras (2007, pág. 15) ao falar que “A subjetividade tronou-se um átomo da objetividade; mesmo na sua forma rebelde, rendeu-se e tornou-se um órgão executivo.” E adiciona imediatamente depois (2007, pág. 15) que,

 

A componente determinista da teoria marxista não reside no seu conceito de relação entre existência social e consciência, mas no conceito reducionista de consciência que põe entre parêntesis o conteúdo específico da consciência individual e, assim, descura o potencial revolucionário contido na própria subjetividade.

É por causa desse cientificismo exacerbado da teoria marxista que seria insuficiente dizer que a escrita literária realista dá conta de uma realidade porque nessa realidade também há uma subjetividade cuja consciência individual projeta uma versão própria da realidade descrita e uma postura individual a essa realidade, uma postura não só objetiva senão também com as qualidades psicológicas de uma pessoa que expressa fatos, sentimentos, emoções, etc.

A escrita de Gabriela Mistral não vai fugir dessa subjetividade. Pelo contrário. Pedro Luis Barcia (2010) faz uma interessante analogia da autora com Michel de Montaigne, que a inspirou fortemente ao estabelecer (2010, pág. XCI) que ambos tem “uma atitude egotista” em seus escritos e que “Gabriela fala desde si mesma e sobre si mesma” e “que nunca renega da sua subjetividade.” Mistral tinha uma tendência a contar histórias ainda nos seus textos não ficcionais onde ela era uma personagem importante daquilo sobre aquilo que escrevia. Portanto, essa falta de objetividade que seria a desvantagem, se analisarmos a prosa política mistraliana apenas desde as teorias marxistas tradicionais, tem uma longa história. Já ao final da década de 70, Luis Vargas Saavedra (1978, pág. 25) disse que Gabriela “Não se pode nunca descrever cientificamente, com a objetividade sensorial de uma Colette ou de uma Virginia Woolf.” Mistral não só tinha uma preocupação social desde uma posição política objetiva, ela também tinha uma postura própria em que podia haver contradições que só mais tarde seriam entendidas pela crítica. Por exemplo, em “Feminismo: uma nova organização do trabalho” (Del Pozo, 2015), Mistral critica fortemente o feminismo igualitário porque, na lógica da igualdade entre homens e mulheres, a mulher ia perder os poucos benefícios que tinha e ia acabar sendo sujeita a uma lógica injusta de precarização de trabalho, pelo qual, além das injustiças de gênero, agora sofreria injustiças que o homem trabalhador já estava sofrendo. Então, a precária situação da mulher só ia se acrescentar com um feminismo igualitário que concebia a luta pela emancipação social como uma luta totalizada sem se importar com os detalhes de essa emancipação e as consequências de estratégias mal planejadas e desse jeito levadas à prática. Essa crítica ao feminismo de sua época só teria apoio nos feminismos pós-coloniais que entenderiam a luta feminista além das lutas de classes sociais somente.

A prosa política de Gabriela Mistral é sem dúvida nenhuma uma parte fundamental da produção literária da autora. Embora a prosa, e, principalmente, a prosa política, tenha uma escassa difusão, a sua importância é notável porque graças a ela Gabriela Mistral conseguiu ser uma figura conhecida e reconhecida em Iberoamérica, e até no mundo inteiro. Pedro Luis Barcia faz menção ao papel da prosa no fato dela ganhar o Prêmio Nobel de Literatura em 1945. Citando as próprias palavras da Academia Sueca (Barcia, 2010, pág. LXXIII) as quais dizem que Gabriela Mistral “tem feito de seu nome um símbolo das aspirações idealistas de todo o mundo latino-americano” (e isso com certeza inclui o Brasil já que a autora passou um período fundamental da sua vida em Petrópolis, no Rio de Janeiro, e recebeu a notícia do Nobel quando morava lá), o autor deixa claro que esse mérito latino e ibero americano não é por causa de sua poesia, senão que é devido a sua prosa na qual conseguiu representar essa união de comunidades americanas, missão que começou na sua primeira viagem fora do país quando foi convidada por José Vasconcellos para participar na Reforma Educacional do México Revolucionário em 1922. Então, se poderia afirmar que ter ganhado o Prêmio Nobel de Literatura fez Gabriela Mistral se converter numa figura canônica da literatura Ibero-americana e mundial, e que a sua prosa foi considerada com um dos motivos principais pelo qual o Nobel foi outorgado a ela, o que inclui a sua prosa política a se tornar um tipo de cânone literário além de sua poesia.

Mas, por que a prosa de Mistral não tem tido a difusão própria de um cânone que a poesia com certeza tem gozado? De novo, com certeza, o caráter político de grande parte da sua prosa não se encontra dentro de um conceito rígido e dominante de cânone. Quanto mais contestador é o cânone, menos canônico ele é. Por um lado, o Nobel permite conferir valor canônico literário da prosa –e da prosa política, mas por outra é melhor deixar para trás essa justificativa para se enfocar mais na poesia porque essa seria uma forma mais tradicional de fundamentar o Nobel como cânone.

Para compreender em profundidade esta situação, gostaria de citar Boaventura de Sousa Santos, na sua definição de cânone (2010, pág. 71). “Entende-se por cânone literário na cultura ocidental o conjunto de obras literárias que, num determinado momento histórico, os intelectuais e as instituições dominantes ou hegemónicos consideram ser os mais representativos e os de maior valor e autoridade numa dada cultura oficial.” Aqui manifesta-se uma tensão entre uma fala intelectual e o poder de um setor hegemônico. Desde aí que seja possível interpretar que a prosa tenha um maior valor para os intelectuais e instituições que advogam pela união internacional das diferentes comunidades, enquanto a sua poesia seja mais valorizada pelas autoridades de uma dada cultura oficial local. No Chile, por exemplo, a poesia era mais adequada para fazer a autora coincidir com um perfil cultural, republicano tradicional e unificador que considerava a mulher importante y necessária como mãe e educadora. Assim, a poeta e escritora foi cristalizada como a mãe e educadora do Chile.

Para reforçar ainda mais o anteriormente exposto, Boaventura Sousa Santos (2010, p. 71), mostra o funcionamento do cânone literário evidente ao dizer que “No cânone literário, funcionam os códigos barrocos de mestiçagem por sub-exposição: as obras escolhidas para integrar o cânone são aquelas que deixam de estar expostas à lógica das opções e passam a ser base ou raiz do campo literário.” Daqui pode-se deduzir que ambas a poesia e prosa foram originalmente escolhidas para o Nobel, mas depois aconteceu uma segunda seleção pela impossibilidade da prosa política de ser parte de uma raiz devido à sua continua releitura à luz dos acontecimentos políticos mundiais. Nessa postura, os textos feministas contraditórios mistralianos são ainda muito contingentes nos feminismos pós-coloniais e ainda tomados pelos movimentos feministas dos bairros.

Porém, a escolha inicial da prosa mistraliana pelo Prêmio Nobel foi feita e embora a prosa política de Mistral tenha sofrido censura – principalmente no Chile-, a prosa, especialmente a política, continua sendo um cânone. Um cânone não aceite pelos grupos hegemônicos da crítica tradicional, mas um cânone contra-hegemônico. Aí está, foi reconhecido e logo, devida a sua potência política continua ao longo do tempo, foi censurada. Mas, é preciso deixar claro a sua qualidade e importância. Pedro Luis Barcia (2010), fala da valoração da sua prosa ao se referir a diferentes personalidades de respeito no mundo da crítica literária. Ele diz o seguinte (2010, pág. IXXII):

Do mestre Luis Alberto Sánchez, quem predicou, durante anos, que a prosa da autora “era aquela obra menos conhecida, era uma verdadeira joia”; do Guillermo de Torre (“A prosa de Gabriela Mistral possui quilates tão subidos ou superiores aos de seu verso; ainda, nela expressa-se de um jeito mais rico e direito o seu acento tão personal, a sua fala própria”), do Enrique Anderson Imbert, Hernán Díaz Casanueva, e assim. É memorável a homenagem feita por Víctor Andrés Belsunce, no seio da assembleia da ONU, quem, logo de ele saber sobre a morte da escritora, manifestou: “Tão bela foi a sua prosa como a sua obra poética. Poderia se dizer dela aquilo que se afirmou sobre Valéry: que se a sua poesia era de ouro, a sua prosa foi de diamante.”

Isto não se expressa só como um capricho de opinião. Na verdade, a prosa mistraliana não é só rica em conteúdo e caráter estético senão também é muito extensa. No ano da publicação do texto de Barcia, 2010, ele afirmava que mesmo ainda mal conhecida uma boa quantidade de prosa, atualmente, após um processo de ordenamento e seleção de material tem se dado a conhecer ao redor do mundo mais de 5000 páginas.

No Chile, Diego del Pozo, consciente da grave situação nacional em que se encontrava a prosa política, decidiu empreender uma pesquisa da obra política de Gabriela Mistral e após disso fez uma seleção para logo publicar um livro chamado Por La Humanidad Futura (2015), a qual é uma Antologia Política da autora. É a primeira obra desse tipo que não esconde o sobrenome político para assim deixar evidente que a natureza política de Mistral foi fundamental na sua produção literária, na liberdade política não militante, e na sua preocupação pela união das comunidades ibero-americanas além das diferenças geográficas e linguísticas. Também, essa prosa política atuando como cânone literário contra-hegemônico, junto com a suas características estéticas próprias e inegáveis que a constituem como arte literário, são, ao mesmo tempo, uma defesa das pessoas trabalhadoras e da emancipação social delas. Assim, esse trabalho de edição pioneiro no Chile e no mundo inteiro sobre a autora feito por Del Pozo é um ressurgimento de esse cânone literário em prosa, o qual, em vista das dificuldades de aceitação pela classe hegemônica, tem que agir como uma literatura contra-hegemônica, que irá negar essa escolha determinista do valor literário de Gabriela Mistral.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pelo acima exposto, resulta interessante que ainda na prosa não ficcional, o que inclui esses recados mistralianos compilados por Diego del Pozo como parte do material político produzido pela autora, é possível encontrar uma literatura não tradicional, politico-contestadora que estabelece uma tensão entre o realismo e a subjetividade dentro da narrativa em prosa. Tudo aquilo é feito sem descuidar a beleza da estrutura escritural da prosa. A respeito de isto último, Vargas Saavedra (1978, pág. 21) diz que em muita da sua prosa “Gabriela não estava preocupada em fazer literatura – o que ela, em um caderno de 1944, chama “a arte pura”- ; porém, ainda nas cartas e nas orações privadas (a Yin), o seu estilo mantem a beleza habitual, tanto dos conceitos como da expressão.” Assim, e tomando em consideração que até nas cartas ao seu filho ela escrevia literariamente, Lucila Godoy Alcayaga, a pessoa trás Gabriela Mistral, simplesmente vivia a Mistral o tempo tudo, isto é, ela sempre escrevia de um jeito literário. Daí que sua prosa e especificamente a sua prosa política ainda tiveram uma natureza estética que permite a nós qualificá-la de literatura, mas não qualquer literatura, senão uma literatura incómoda, uma literatura que foge da tradição e das imposições deterministas para uma estabilidade do cânone.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Barcia, Pedro Luis. La Prosa de Gabriela Mistral. In: Mistral, Gabriela. Antología: En Verso y Prosa. Perú, Real Academia de la Lengua Española, Alfaguara, 2010.

Cabello Hutt, Claudia. Prólogo a Gabriela Mistral. In: Concha, J. Gabriela Mistral. Ediciones Alberto Hurtado, 2015.

de la Cadena, Marisol; Starn, Orin. “Indigeneidad: problemáticas, experiencias y agendas en el nuevo milenio”. En Tabula Rasa. Bogotá - Colombia, No.10: 191-223, enero-junio 2009.

Del Pozo, Diego (ed). Por la Humanidad Futura: Antología Política de Gabriela Mistral. La Pollera Ediciones, 2015.

Marcuse, Herbert. A Dimensão Estética. Edições 70, 2007.

Neruda, Pablo. Confieso que he vidido. Pehuén Editores, 2008.

Pizarro, Ana. Gabriela Mistral. El proyecto de Lucila. LOM Ediciones, 2005.

Quezada, Jaime. Gabriela Mistral: Antología de Poesía y Prosa. Fondo de Cultura Económica, 2014.

Santos, Boaventura de Sousa. A Gramática do Tempo: para uma nova cultura política. Cortez Editora, 2010.

Vargas Saavedra, Luis. Introducción. In: Mistral, Gabriela. Prosa Religiosa de Gabriela Mistral, Luis Vargas Saavedra (comp. e ed.). Editorial Andrés Bello, 1978.



[1] Autor Principal