DOI: https://doi.org/10.37811/cl_rcm.v8i1.9737

Comparação entre Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade- TDAH, e Superdotação

 

Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues

[email protected]

https://orcid.org/0000-0002-5487-5852

Formação acadêmica mais alta com área de concentração: Pós PhD em neurociências

Instituição de atuação atual: Logos University International

 

 

RESUMO

Este ensaio está centrado no debate em torno das complexas relações entre o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e a superdotação tem sido objeto de considerável atenção e pesquisa, dada a intricada interseção de características e desafios apresentados por essas condições. Enquanto o TDAH é notório por manifestar-se por meio de dificuldades na concentração, hiperatividade e impulsividade, a superdotação destaca-se pela presença de uma inteligência excepcionalmente elevada. Este artigo busca aprofundar a compreensão desses dois fenômenos, explorando as nuances que permeiam suas características distintas e identificando áreas de sobreposição que frequentemente geram confusões diagnósticas. Ao compreender mais profundamente as peculiaridades do TDAH e da superdotação, é possível elucidar questões cruciais sobre o funcionamento cerebral, aspectos cognitivos e emocionais, contribuindo assim para uma abordagem mais refinada no diagnóstico e tratamento dessas condições.

 

Palavras-chave: TDAH, superdotação, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade

 


 

Comparison Between Attention Deficit Hyperactivity Disorder-ADHD,

 and Giftedness

 

ABSTRACT

This essay is focused on the debate surrounding intricate relationship between Attention Deficit/Hyperactivity Disorder (ADHD) and giftedness has garnered significant attention and research focus. This stems from the complex intersection of characteristics and challenges presented by these conditions. While ADHD is renowned for manifesting through difficulties in concentration, hyperactivity, and impulsivity, giftedness stands out due to the presence of exceptionally high intelligence. This article aims to deepen the understanding of these two phenomena by exploring the nuances that permeate their distinct characteristics and identifying overlapping areas that often lead to diagnostic confusion. By delving into the intricacies of ADHD and giftedness, it becomes possible to shed light on crucial issues related to brain functioning, cognitive and emotional aspects, thereby contributing to a more refined approach in the diagnosis and treatment of these conditions.

 

Keywords: ADHD, giftedness, attention deficit/hyperactivity disorder

 

 

 

 

Artículo recibido 22 diciembre 2023

Aceptado para publicación: 20 enero 2024


 

INTRODUÇÃO

A superdotação e o TDAH são vistos de formas bem diferentes, com exceção da impressão errada de que algumas pessoas com TDAH seriam mais inteligentes por terem um pensamento mais acelerado. No entanto, o TDAH é caracterizado por alguns desafios como desatenção, hiperatividade/impulsividade e funcionamento executivo que impedem a aprendizagem, já a superdotação é caracterizada por inteligência acima da média. (OGEDA,2020)

A Superdotação e o TDAH compartilham várias características, o que pode dificultar a sua distinção em diagnósticos. É possível que pessoas superdotadas apresentem traços de TDAH, podendo ocorrer através de predisposição genética ou comportamentos relacionados à estrutura cerebral.

Tanto o TDAH como a superdotação podem se manifestar de formas diferentes nas pessoas, nem todas as pessoas com TDAH têm as mesmas experiências ou sintomas. Da mesma forma, nem todas as pessoas com superdotação partilham o mesmo conjunto de características.

O transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH) é uma condição caracterizada por hiperatividade, impulsividade e desorganização. Os sintomas do TDAH estão, geralmente, presentes na primeira infância, mas continuam impactando uma pessoa até a idade adulta. O transtorno é considerado uma condição neurodivergente e a presença de sintomas varia de pessoa para pessoa.

Os sintomas comuns do TDAH incluem

•   Facilmente distraído;

•   Agitação;

•   Dificuldades de foco;

•   Esquecimento;

•   Cegueira do tempo.

O cérebro de uma pessoa com TDAH

Estudos com o cérebro de pessoas com TDAH mostram diferenças de volume, forma, circuito e atividade neural em comparação com cérebros sem TDAH. Há disfunção no sistema nervoso autônomo (SNA), um componente da excitação, em indivíduos com TDAH, mais frequentemente na direção da hipo-excitação do que hiper-excitação, particularmente em repouso e durante tarefas que exigem regulação de resposta e atenção sustentada.

Ligações entre excitação e cognição são governadas por interações entre sistema nervoso central (SNC) e ANS. O locus coeruleus (LC) na região do tronco cerebral recebe sinais autônomos através do núcleo tractus solitarius (NTS) e tem conexões recíprocas generalizadas com regiões do córtex pré-frontal (PFC) (incluindo córtex cingulado anterior (ACC), córtex orbitofrontal (OFC) e córtex pré-frontal ventromedial (vmPFC)), ínsula, hipotálamo e amígdala.

O LC é a única fonte de norepinefrina (NE) no córtex e a disponibilidade de NE nessas regiões influencia uma variedade de funções cognitivas, incluindo percepção, memória, memória de trabalho, atenção sustentada e troca de tarefas modulando a disponibilidade de dopamina (DA) e glutamato em locais relevantes para a tarefa.

O que é Superdotação?

A superdotação é uma condição que pode ser identificada através de testes de QI supervisionados ou testes genéticos de pessoas com pontuação acima de 130 pontos que demonstram uma habilidade ou potencial avançado em uma ou mais áreas específicas quando comparadas a outras da mesma idade, experiência ou ambiente.  Esses indivíduos se destacam em sua capacidade de pensar, raciocinar e julgar.

Superdotados compartilham características e traços talentosos comuns, como:

•   Pensamento avançado e compreensão acima de seus pares de idade;

•   Intensidade emocional em tenra idade;

•   Maior senso de autoconsciência;

•   Curiosidade altamente desenvolvida;

•   Excelente memória.

TDAH e superdotação: É possível ter os dois?

O TDAH e a superdotação podem carregar fortes similaridades, o que pode gerar erros no diagnóstico de pessoas superdotadas, fazendo-as ser diagnosticadas erroneamente como com TDAH.  A Superdotação pode “mascarar” o TDAH, assim como o contrário, devido aos seus sintomas, que dificultam a observação sobre o comportamento.

Um estudo constatou que uma média de 8,8% das crianças com TDAH são Superdotadas e um outro estudo constatou que 18% das crianças Superdotadas tinham TDAH, há menções de até 50% dos casos em outros estudos. Ou seja, uma minoria das pessoas com TDAH tem Superdotação, já um quinto das pessoas com Superdotação tem TDAH podendo ser este número ainda maior.

Também já foi mencionado uma possível relação de indivíduos portadores de genótipo propício a maior inteligência fluída sofrerem interferências em fatores ambientais ou no neurodesenvolvimento mantendo assim o alto QI e déficits cognitivos como casos de TDAH, autismo, entre outros.

Distração vs Déficit de Atenção

Pessoas com superdotação têm uma maior intensidade emocional, logo, quando o assunto não interessa, ela não recebe estímulo suficiente, o que aumenta a frequência e a probabilidade de se distrair, ter dificuldade de concentração e ter dificuldade em concluir tarefas.

Pensamento acelerados vs Velocidade de Processamento

A confusão sobre TDAH e alta inteligência também ocorre pelo pensamento acelerado que se confunde com velocidade de processamento. Os pensamentos acelerados no TDAH são causados por distratibilidade dificultando a concentração numa tarefa ou tema de cada vez. Pensamentos de corrida ocorrem quando a mente de uma pessoa é preenchida com um fluxo constante de pensamentos em movimento rápido causado pela hiperatividade.

As pessoas com TDAH “lutam” para organizar os pensamentos acelerados dificultando a conclusão de tarefas e o foco em responsabilidades. Pessoas superdotadas podem processar informações lentamente ou de forma acelerada dependendo do indivíduo e suas nuances cognitivas.

O tempo sempre foi determinante no cotidiano do superdotado, sendo este um empecilho para se concluir todas as tarefas que o cérebro tem capacidade de exercer em um determinado período. Ter que expressar toda a imensidão de raciocínio em um curto período pode revelar um comportamento com raciocínio acelerado, podendo até mesmo cortar palavras e pensamentos menos úteis para chegar logo a um denominador acreditando que entenderão o raciocínio. Esta aceleração pode ser confundida com o comportamento de pessoas com TDAH, mas não é a mesma coisa.

Fluxo rápido de pensamentos em pessoas com TDAH vs em pessoas de alto QI

Em geral, pessoas de alto QI têm capacidade de processar informações de forma rápida e eficiente, tendo pensamento mais ágil. O pensamento acelerado em pessoas de alto QI é frequentemente controlado e direcionado, enquanto no TDAH pode ser mais desorganizado e interferir na atenção e no foco.

O pensamento acelerado de pessoas com alto QI está associado com a capacidade cognitiva eficiente e rápida, assim como fatores que causam acúmulos de informações, como tempo, meta-pensamentos e tipos de memórias eficientes, enquanto pessoas com TDAH é devido a dificuldade em se concentrar, impulsividade e inquietação causando acúmulo de tarefas ou pensamentos ainda não concluídos.

Pocessamento sensorial no Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade

O estudo realizado por Vitória Tiemi Shimizu aborda de maneira abrangente a relação entre o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) e as habilidades do Processamento Sensorial em crianças. A pesquisa revela importantes descobertas sobre as complexas interações entre os aspectos sensoriais, comportamentais e emocionais nesse grupo específico.

O TDAH, conhecido por seu quadro heterogêneo, é associado a uma variedade de distúrbios motores, perceptivos, cognitivos e comportamentais. O estudo destaca a escassez de pesquisas específicas sobre o desenvolvimento sensório-motor no contexto do TDAH, apontando para a importância de compreender essa dimensão para um entendimento mais abrangente do transtorno.

A amostra clínica, composta por crianças diagnosticadas com TDAH, foi cuidadosamente comparada a um grupo controle quanto a idade, gênero e condições socioeconômicas. A utilização do Sensory Profile como instrumento de avaliação permitiu uma análise detalhada do processamento e modulação sensorial, assim como das respostas comportamentais e emocionais das crianças diante dos eventos sensoriais do cotidiano.

Os resultados destacam que as crianças com TDAH apresentaram prejuízos significativos em várias áreas do processamento sensorial, evidenciando diferenças em comparação ao grupo controle. Especificamente, observou-se que essas diferenças se manifestaram em seções específicas, fatores e padrões de resposta do Sensory Profile.

Surpreendentemente, o estudo não identificou diferenças significativas entre os subtipos de TDAH, exceto no processamento multissensorial. Contudo, correlações moderadas e significativas foram encontradas entre alguns escores do Perfil Sensorial e as escalas comportamentais CBCL e EACI-P, indicando uma conexão entre os déficits no processamento sensorial e as manifestações comportamentais associadas ao TDAH.

Assim, os resultados sugerem que as crianças com TDAH podem apresentar déficits no processamento sensorial, contribuindo para respostas inadequadas tanto no comportamento quanto na aprendizagem. Essa descoberta destaca a importância de considerar o processamento sensorial como uma dimensão integral ao estudar e abordar o TDAH, oferecendo insights valiosos para estratégias de intervenção e compreensão mais aprofundada desse transtorno complexo. (SHIMIZU, 2011)

DISCUSSÃO DE RESULTADOS

A análise dos resultados obtidos nesta pesquisa revela uma interconexão complexa entre superdotação e TDAH, destacando a necessidade de uma abordagem diferenciada na compreensão dessas condições. A coexistência de características compartilhadas e distintas apresenta desafios significativos na identificação e diagnóstico preciso.

Um aspecto notável é a constatação de que uma proporção minoritária de crianças com TDAH exibe superdotação, enquanto uma porcentagem significativa de superdotados demonstra sintomas de TDAH. Essa descoberta aponta para a complexidade da relação entre essas condições e sugere que o espectro de apresentação desses fenômenos é mais diversificado do que se pensava anteriormente.

A investigação das características neurobiológicas revela diferenças no funcionamento do sistema nervoso autônomo em indivíduos com TDAH, especialmente em relação à hipoexcitação. Essas alterações podem influenciar diretamente a atenção sustentada e a regulação de respostas, contribuindo para os desafios observados no TDAH. Por outro lado, em superdotados, observa-se uma eficiência cerebral marcante, sugerindo padrões de atividade neural mais organizados e controlados.

A relação entre o pensamento acelerado e a velocidade de processamento também emerge como um ponto crucial de discussão. A confusão nessa área, muitas vezes associada ao TDAH, destaca-se como um desafio na diferenciação das duas condições. A intensidade emocional em superdotados pode levar à distração em contextos menos estimulantes, complicando ainda mais a identificação.

CONCLUSÃO

Diante dos resultados empíricos apresentados, torna-se inquestionável a complexidade inerente à sobreposição de características entre superdotação e Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), suscitando, assim, a premente necessidade de uma abordagem clínica meticulosa e abrangente. A coexistência dessas condições em um mesmo indivíduo ressalta não apenas a interseccionalidade de fatores genéticos, neurobiológicos e ambientais, mas também a singularidade de cada caso, sublinhando a importância de uma análise individualizada e contextualizada.

Nesse sentido, a compreensão profunda das nuances neurobiológicas subjacentes, em conjunto com a identificação precoce e a implementação de intervenções terapêuticas personalizadas, emerge como pilares fundamentais para o manejo eficaz e compassivo dessas condições complexas e multifacetadas. Essa abordagem terapêutica, embasada em evidências científicas robustas, não apenas visa mitigar os sintomas manifestos, mas também promover um desenvolvimento saudável e equilibrado do indivíduo, visando sua plena integração social, acadêmica e emocional.

Ademais, é imperativo ressaltar a importância indiscutível de uma abordagem interdisciplinar e colaborativa, englobando não apenas profissionais da saúde, mas também educadores, psicólogos e outros especialistas pertinentes. Essa sinergia entre diferentes campos do conhecimento é essencial para uma compreensão contextualizada das necessidades e desafios enfrentados pelos indivíduos com sobreposição entre superdotação e TDAH, possibilitando a implementação de estratégias terapêuticas e educacionais eficazes.

Diante da complexidade intrínseca dessa relação, torna-se evidente a necessidade premente de investimentos contínuos em pesquisas e estudos aprofundados, visando aprimorar as estratégias de diagnóstico precoce, intervenção terapêutica e acompanhamento longitudinal desses indivíduos excepcionais. Somente por meio de um compromisso incansável com a pesquisa científica e a prática clínica ética e baseada em evidências, será possível oferecer um suporte abrangente e de qualidade, promovendo não apenas a resiliência e o bem-estar dos pacientes, mas também contribuindo para o avanço do conhecimento e da compreensão dessas condições complexas e multifacetadas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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SHIMIZU, Vitória Tiemi. Perfil das habilidades do processamento sensorial em crianças com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH). 2011. 111 f. Dissertação (Mestrado) Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Guarulhos, 2011.

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